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ANVISA lança diretrizes para programa de gerenciamento do uso de antimicrobianos

A ANVISA publicou no dia 28/12/17 diretrizes para o programa de gerenciamento do uso de antimicrobianos nos serviços de saúde, que apresentarei seus principais pontos acrescidos de alguns comentários, em itálico, que acho pertinentes. Recomendo a leitura integral e a aplicação urgente de suas principais recomendações.

“A resistência microbiana aos antimicrobianos atualmente é uma das maiores preocupações globais em saúde pública, uma vez que antimicrobianos muito usados estão se tornando ineficazes, gerando uma série de consequências diretas e indiretas como, por exemplo, o prolongamento da doença, o aumento da taxa de mortalidade, a permanência prolongada no ambiente hospitalar e a ineficácia dos tratamentos preventivos que comprometem toda a população. O combate à emergência e à propagação de bactérias resistentes aos antimicrobianos e ao desenvolvimento de novos mecanismos de resistência exige uma abordagem conjunta e articulada de vários segmentos governamentais, dos profissionais de saúde e de toda sociedade”.

Como discutimos em artigos do nosso site, a Organização Mundial de Saúde reconhece a resistência microbiana e a emergência ou reemergência de doenças infecciosas como os principais desafios para a saúde global neste século, destacando a importância capital das comissões de controle de infecção na detecção e prevenção dessas adversidades.

 

“O presente documento foi elaborado por um grupo de trabalho formado por representantes de conselhos e associações de classe, bem como de instituições de ensino relacionadas ao tema. Além disso, por se tratar de um tema de relevância nacional, a ANVISA disponibilizou, em consulta restrita, uma minuta desse documento para receber contribuições de toda sociedade brasileira por meio de suas associações de classe e entidades representativas. Esta diretriz não se destina a fornecer um modelo de programa de gerenciamento do uso de antimicrobianos. Ela foi desenvolvida para apresentar, de maneira abrangente, os elementos fundamentais de um programa que devem ser adaptados de acordo com a realidade, as necessidades locais, os perfis epidemiológico e microbiológico, as barreiras e os recurso do hospital ou serviços de atenção básica visando o uso ótimo de antimicrobianos nos ambientes institucionais. Além disso, traz sugestões de indicadores para medir o sucesso dessas intervenções e ainda faz recomendações da composição mínima da equipe responsável pela elaboração e implementação do programa”.

Embora o documento tenha sido elaborado por profissionais de reconhecida capacidade, mais uma vez, como hábito nas diretrizes da ANVISA, pelo menos de acordo com informações do próprio texto, não pode ser considerada uma revisão sistemática do tema, pois não há descrição da metodologia empregada para busca e seleção das informações científicas, não é apresentada uma declaração de conflitos de interesse de seus participantes, o que é fundamental, num tema que envolve grandes interesses econômicos da indústria farmacêutica, e nem as recomendações foram classificadas de acordo com seu grau de evidência científica. Obviamente, tudo isto compromete a validade das recomendações. Embora eu reconheço que o objetivo do texto seja uma orientação prática, um maior rigor na aplicação do conhecimento científico, daria maior credibilidade dessas diretrizes. Outro ponto importante está relacionado à forma de obter “contribuições de toda sociedade”, com a realização de uma “consulta restrita”, como está afirmado no preambulo do documento e logo de um “tema de relevância nacional”. Será que ouvir apenas as algumas “associações de classe” e “entidades representativas” trariam a contribuição de “toda sociedade” como quer o instrumento? Você, leitor, foi ouvido ou ficou sabendo disso a ponto de dar suas opiniões? Isto me parece muito importante num tema que envolve a saúde da coletividade, no seu mais importante desafio no século XXI.

 

“A OMS, em conjunto com os países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), incluindo o Brasil, têm estimulado a elaboração de Planos individuais de combate à resistência antimicrobiana em todo o mundo. Estes Planos devem conter ações para o combate e a contenção da resistência microbiana, entre as quais a implementação de programas para uso racional de medicamentos antimicrobianos na saúde humana e animal. Embora a resistência microbiana seja um fenômeno natural, sua propagação está diretamente relacionada a diversos fatores, como uso indevido de antimicrobianos, programas de controle de infecção e de gerenciamento da terapia antimicrobiana inadequados ou inexistentes, medicamentos de má qualidade, vigilância inadequada e regulamentação insuficiente sobre o uso dessas substâncias. Assim, o controle e a prevenção da disseminação da resistência microbiana aos antimicrobianos pelos serviços de saúde é imperativo nos dias atuais. Nesse aspecto, uma das abordagens para combater esse problema é o desenvolvimento de programas de gerenciamento de uso de antimicrobianos. A implementação desses programas, além de visar aumentar a segurança do paciente e garantir bons resultados clínicos do uso de antimicrobianos, minimizando suas consequências não intencionais, tais como efeitos adversos e resistência microbiana, podem resultar também na redução de custos para os serviços de saúde”.

As informações deste parágrafo são importantes, mas refletem uma certa tendência a generalização e simplificação de conceitos mais complexos, o que infelizmente temos observado na ANVISA há algum tempo. Coloco aqui como exemplos a informação que o termo infecção hospitalar foi substituído por infecção relacionada à assistência à saúde, o que não é verdade, pois o que aconteceu foi ampliar as medidas de controle para outros cenários específicos da assistência à saúde, com denominações próprias das infecções adquiridas nestes vários cenários (por exemplo assistência domiciliar, procedimentos extra-hospitalares, etc), assim IRAS é um terno abrangente, que inclui entre outras as IH, que não foram substituídas como por decreto. Além disso, a ANVISA tentar colocar tudo como segurança do paciente. A resistência microbiana é um fenômeno global, que envolve não apenas a segurança de pacientes internados, mas sim toda a humanidade e as demais espécies animais, que podem sofrer os reflexos da perda de eficácia dos antibióticos. Logo, suas ações incluem segurança dos pacientes, mas transcendem em muito a metodologia e a abrangência das ações efetivamente empregadas para controle de adversidades habitualmente desenvolvidos nos programas de segurança do paciente implantados, restritos ao ambiente hospitalar. Além disso, existem outras comissões dentro dos hospitais, que há algum tempo já se debruçam sob o tema, como a de farmácia hospitalar, a de padronização de medicamentos e insumos, a de ética médica (para avaliar sob ponto de vista ético o programa implantado) e obviamente a CCIH e todas têm um maior impacto na implantação desses programas, que a de segurança do paciente, que já tem complexidade suficiente para desenvolver suas ações, algumas obviamente em conjunto com as comissões que citei.

 

O gerenciamento do uso de antimicrobianos objetiva: garantir o efeito fármaco-terapêutico máximo; reduzir a ocorrência de eventos adversos (EA) nos pacientes; prevenir a seleção e a disseminação de microrganismos resistentes e diminuir os custos da assistência. Por sua vez, o Programa de Gerenciamento de Uso de Antimicrobianos envolve um conjunto de ações destinadas ao controle do uso desses medicamentos nos serviços de saúde, englobando desde o diagnóstico, a seleção, a prescrição e a dispensação adequadas, as boas práticas de diluição, conservação e administração, além da auditoria e do monitoramento das prescrições, da educação de profissionais e pacientes, do monitoramento do programa até a adoção de medidas intervencionistas, assegurando resultados terapêuticos ótimos com mínimo risco potencial. Um Programa de Gerenciamento de Uso de Antimicrobianos é uma abordagem multifacetada que inclui políticas, diretrizes, vigilância da prevalência-padrões de resistência e do consumo de antimicrobianos, além de educação e auditoria de seu uso.

O Centers for Disease Control (CDC/EUA) destacou como uma das estratégias-chave para abordar o problema da resistência microbiana, a necessidade de melhoria nos mecanismos de controle do uso de antimicrobianos por meio de programas de gerenciamento do uso desses medicamentos, como o “Antimicrobial Stewardship Program (ASP)”, definido no Protocolo da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas (IDSA) como um conjunto de intervenções coordenadas, destinadas a melhorar e medir o uso adequado de agentes antimicrobianos por meio da promoção da seleção otimizada do regime antimicrobiano ideal. O termo Stewardship, sem uma tradução específica, vem sendo introduzido como um conceito da gestão clínica do uso de antimicrobianos, por meio de uma seleção otimizada da terapia, relacionadas com sua duração, dose e via de administração. Priorizando, especialmente, as atividades realizadas por um time interdisciplinar, treinado, motivado, com linguagem comum e com apoio institucional, segundo políticas e objetivos definidos de acordo com padrões internacionais de segurança do paciente. O ASP, em conjunto com as medidas de prevenção e controle de infecção, previne ou retarda o aparecimento de resistência antimicrobiana e a transmissão de agentes patogênicos antimicrobianos resistentes. Operacionalmente, aplicam-se várias estratégias de ASP para melhorar a qualidade da terapia antimicrobiana, minimizar as consequências não intencionais (como por exemplo, a toxicidade, seleção de organismos patogênicos e emergência da resistência antimicrobiana) e otimizar os resultados clínicos. A redução dos custos dos cuidados de saúde, sem prejudicar sua qualidade, é um dos objetivos secundários desse Programa.

Estes parágrafos resumem de uma maneira geral as principais ações a serem desenvolvidas para o gerenciamento da prescrição de antimicrobianos e dão uma nítida ideia de sua abrangência, caráter multi e interdisciplinar e a necessidade do envolvimento de várias comissões hospitalares trabalhando de forma integrada, reforçando o que comentei anteriormente. E fica claro também, como embora afetem a segurança do paciente, envolvem muito mais do que isso, ao lutar por preservar a eficácia dos antibióticos, otimizar o emprego de recursos em saúde e até reduzir seu impacto ecológico da convivência do homem e demais animais com os microrganismos.

 

A obrigatoriedade de elaboração e implementação de um programa para uso racional de antimicrobianos nos serviços de saúde pelas Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) foi estabelecida na Portaria GM/MS nº 2616, de 12/05/1998. Já a RDC Anvisa nº 07/2010, que dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento das Unidades de Terapia Intensiva (UTI), em seu Art. 45 determina que a equipe desta Unidade proceda ao uso racional de antimicrobianos, estabelecendo normas e rotinas de forma interdisciplinar e em conjunto com a CCIH, Farmácia Hospitalar e Laboratório de Microbiologia. Constituem elementos essenciais para a criação, implantação e execução desse Programa nos hospitais: Apoio da alta direção do hospital; Definição de responsabilidades de todos os profissionais envolvidos; Educação; Desenvolvimento de ações para melhorar a prescrição de antimicrobianos; Monitoramento do programa e Divulgação de resultados.

Os principais tópicos de um programa de gerenciamento de antimicrobianos estão descritos neste parágrafo, mas tenho ressalvas importantes quanto algumas informações. Na verdade, a portaria MS 2616, ao colocar entre as competências da CCIH a elaboração e implementação de um programa para o uso racional de antimicrobianos, apenas incluiu na legislação uma ação que muitas instituições já vinham realizando, numa ação conjunta das CCIHs com as Comissões de Farmácia e Terapêutica. Esta portaria, ao contrário do que diz esta diretriz da ANVISA, não tornou obrigatória e elaboração e implantação destes programas de uso racional. Ela apenas coloca entre as competências da CCIH o “uso racional de antimicrobianos, germicidas e materiais médico-hospitalares”. De acordo com referida portaria, e atendendo aos inúmeros vetos presidenciais, que mutilaram a Lei Federal que regulamenta as ações de controle de infecção, a única obrigatoriedade determinada era a implantação de um programa de controle de infecção, que deveria ser gerenciado pela CCIH, que tinha entre suas competências um programa de uso racional de antimicrobianos. Tanto que, isto foi entendido como não obrigatório pelas autoridades sanitárias, incluindo a própria ANVISA, pois desconheço que na sua história um hospital tenha sido autuado por não desenvolver este programa de uso racional. Além disso, esta mesma competência referida na Portaria, documenta uma ação que as CCIHs já estavam estimulando e participando ativamente nos hospitais e que no futuro envolveram a criação de comissões específicas, tais como comissão de padronização de materiais e insumos e a comissão de processamento de artigos médico-hospitalares. De fato, nos hospitais que desenvolveram programas efetivos de prevenção e controle de infecção, ocorreu uma mudança de foco na sua gestão, trazendo a ótica da prevenção de adversidades, que acabou gerando outras comissões específicas, abordando processamento de materiais, resíduos dos serviços de saúde, saúde ocupacional e gestão de riscos, entre outras. Ao meu ver, esta história deveria ser melhor compreendida pela própria ANVISA, para extrair estratégias que possam ser úteis no desenvolvimento de programas específicos e até na mudança da cultura institucional.

Outro comentário a ser feito nesse parágrafo é que foi a Portaria MS 40 de 18/04/96 que recomendou que todo hospital deveria constituir comitê visando a racionalização da prescrição de antimicrobianos, correlacionando com o perfil de sensibilidade identificado na instituição. Observe que essa recomendação é anterior a da ANVISA, citada no texto e abrange todos os hospitais e não apenas os que têm UTI e focada nos integrantes dessas unidades, de acordo com a portaria citada. Ao meu ver a ANVISA deve compreender que o controle de infecção e os esforços para prevenção de adversidades nos pacientes são anteriores à sua própria criação e eles devem ser entendidos e incorporados para uma maior efetividade e adequação à nossa realidade das medidas propostas.

 

“A direção do hospital deve nomear um time gestor responsável por definir as políticas e normativas, bem como as diretrizes gerais, monitoramento contínuo, propostas de melhoria e retroalimentação dos resultados (feedback) do Programa de Gerenciamento de Uso dos Antimicrobianos. É recomendável que o time gestor seja interdisciplinar e composto, minimamente, por um representante da (o): Alta gestão institucional; CCIH; Equipe médica; Equipe de enfermagem; Farmácia clínica; Laboratório de microbiologia; Tecnologia da informação e Coordenações de setores estratégicos para o gerenciamento do uso de antimicrobianos como, por exemplo, unidades clínicas e assistências (UTI, Centro Cirúrgico e obstétrico, clínica médica, emergência, Centro de oncologia, etc.) e as unidades de apoio (farmácia, laboratório de análises clínicas, núcleo de qualidade, gerenciamento de risco ou segurança do paciente, entre outros). Os representantes da CCIH e da equipe médica que compõem o time gestor devem, preferencialmente, ser infectologistas ou, na ausência desse profissional, médicos com expertise em doenças infecciosas. No caso do farmacêutico clínico ou outro profissional de saúde, o ideal é que o mesmo possua expertise em doenças infecciosas e uso de antimicrobianos”.

Parágrafo importante que define reponsabilidades da alta gestão, integrantes e atribuições gerais desse comitê gestor. Por experiência relatada pelos próprios alunos, é interessante incluir representantes dos comitês de ética médica e de enfermagem da instituição, para análise das possíveis implicações éticas da execução dessa política, prevenindo questionamentos futuros, por alegadas interferências em condutas com pacientes.

 

“Sugere-se que o líder do time gestor seja o representante da alta gestão do serviço de saúde, com governabilidade para garantir a sustentabilidade das ações clínicas, técnicas e administrativas do Programa. Visando seu maior engajamento com os resultados a serem alcançados, é recomendável que a efetividade do Programa faça parte de suas metas de desempenho individuais. Para coordenar as atividades do time operacional é necessário definir um líder operacional que, preferencialmente, deve ser um infectologista / médico com expertise em doenças infecciosas ou um farmacêutico clínico com conhecimento em doenças infecciosas. Esse coordenador deve ter o seu trabalho alinhado com a CCIH e com a Comissão de Farmácia e Terapêutica (CFT) do hospital. Todos os setores do hospital têm papel importante na execução do Programa, desta forma, devem haver lideranças técnicas que atuem como suporte na operacionalização das ações estratégicas do Programa. Para tanto, é recomendado que essas ações façam parte da descrição das atividades desses profissionais nos setores, os quais devem contar com tempo e recursos para sua execução”.

“A efetividade das ações do Programa depende da atuação conjunta de diferentes setores hospitalares que exercem funções específicas dirigidas para esse fim. Assim, o setor de microbiologia deve reportar a identificação e o perfil de sensibilidade aos antimicrobianos; a CCIH deve fornecer dados relacionados à etiologia das infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) e vigilância de microrganismos multirresistentes; a enfermagem e a farmácia devem revisar os medicamentos prescritos; a equipe de tecnologia da informação deve oferecer recursos que integrem sistemas para qualificar e facilitar a prescrição, a dispensação e a distribuição do medicamento no serviço de saúde, além da análise dos resultados. A CCIH e a CFT são importantes para a padronização e a avaliação da qualidade dos antimicrobianos a serem adquiridos, incluindo a qualificação dos fornecedores”.

“A educação profissional permanente visa aumentar a conscientização sobre o uso dos antimicrobianos, por meio de aulas, discussões in loco, visitas interdisciplinares à beira do leito, seminários e treinamentos adaptados às equipes as quais se dirigem. Essas capacitações devem abordar tópicos sobre antimicrobianos como farmacologia e farmacoterapia, boas práticas de preparo e administração, epidemiologia das infecções, medidas de prevenção e controle de infecções, mecanismos de resistência dos microrganismos aos antimicrobianos, reações adversas, interações medicamentosas, entre outros. É desejável enfatizar os aspectos básicos do uso de antimicrobianos nos treinamentos realizados na admissão de novos profissionais do hospital. Existem também várias ferramentas de educação à distância, cujo uso deve ser estimulado pelo time operacional do Programa. A vantagem desta metodologia e de outras instâncias de educação virtual é que evita a duplicação de esforços necessários para a execução de novos cursos presenciais e permite que os profissionais de saúde realizem os treinamentos em seus horários disponíveis”.

Parágrafos com instruções específicas sobre atribuições e competências dos principais participantes desse comitê. Destaco que existe ainda alguma resistência principalmente do corpo clínico em aceitar o que alegam ser interferência nas condutas com seus pacientes. Assim, estes treinamentos devem enfatizar a importância do trabalho em equipe, raramente enfatizado na formação universitária de cada profissional, e que, diferentemente de outros medicamentos, que só agem no paciente, os antibióticos trazem reflexos para todo ecossistema, em decorrência da pressão seletiva exercida. Afinal, as doenças infecciosas, diferente das demais, é o resultado da luta pela sobrevivência de diferentes espécies, incluindo a humana e a microbiana, em nosso ecossistema e todos os princípios da ecologia também devem ser entendidos e aplicados em cada prescrição. Como dizem os ecologistas: “a natureza não se defende, ela se vinga”, então toda cautela é essencial, para não afetarmos ainda mais nosso já castigado planeta, pela ação humana.

 

“A utilização correta de antimicrobiano envolve a avaliação criteriosa sobre sua necessidade de uso, a escolha de um fármaco eficaz, seguro, com custo equilibrado e que seja administrado por tempo, dose e intervalos posológicos apropriados. As ações voltadas para a melhoria do uso de antimicrobianos vão desde abordagens educativas até medidas restritivas, entre as quais podemos citar: Utilização de protocolos clínicos para as principais síndromes clínicas; Adoção das boas práticas de prescrição, como documentação de dose, duração e indicação do antimicrobiano; Auditoria prospectiva de prescrição com intervenção e divulgação dos dados;  Readequação da terapia, conforme resultados microbiológicos; Análise técnica das prescrições pela farmácia; Restrição com uso de formulário terapêutico e pré-autorização de antimicrobianos. Em situações especiais, como por exemplo, antimicrobiano reservado para tratamento de bactérias multirresistentes, pode-se optar por um sistema de pré-autorização com maior controle da prescrição, onde só é possível a liberação desse antimicrobiano pela farmácia após contato do médico prescritor com os responsáveis pelo Programa dentro do serviço de saúde. É importante garantir que tal medida não atrase o tratamento de pacientes independente do dia e do horário, por exemplo em caso de prescrições à noite, finais de semana ou feriado. Além das ações estratégias descritas acima (elaboração de protocolos, auditoria com retroalimentação dos resultados e medidas restritivas) cuja implementação é altamente recomendável, existem ações complementares que melhoram muito o gerenciamento do uso de antimicrobianos da instituição. A seguir apresentamos alguns pontos importantes de algumas dessas ações: Revisão pelos prescritores das prescrições em 48-72 horas; Intervenções guiadas pela farmácia; Suporte da tecnologia de informação; Monitoramento do Programa”.

“Medidas de consumo refletem um agregado ou quantidade média de antimicrobianos, expressos em gramas, que estão sendo utilizados em nível de paciente, de um serviço, de uma unidade ou do hospital. Dose Diária Definida (DDD) é a dose média diária de manutenção do antimicrobiano, expressa em gramas, habitualmente usada por um adulto de 70 Kg, para a principal indicação terapêutica daquele medicamento. A OMS recomenda que, para a realização de estudos de consumo de antimicrobianos que sejam comparativos entre diferentes unidades hospitalares, em âmbito internacional ou entre períodos em uma mesma localidade, os dados de consumo sejam levantados de forma padronizada. Nesse sentido, ela preconiza o uso da DDD como unidade padronizada para a medida do consumo de medicamentos. Uma vantagem do uso da DDD em hospitais é a relativa facilidade na obtenção deste dado, em especial quando o sistema de prescrição ou dispensação é informatizado. Assim, a DDD tem sido amplamente utilizada como uma medida global para avaliar programas de gerenciamento de uso de antimicrobianos em hospitais”.

“Dias de Terapia (DOT) vem sendo apontada recentemente como a medida mais apropriada para avaliação do impacto de programas de gerenciamento de uso de antimicrobianos, embora, a maioria dos estudos publicados que descreveram reduções significantes no uso de antimicrobianos, empregaram a DDD como medida padrão. O número de dias em que um paciente recebe um agente antimicrobiano (independentemente da dose) equivale ao DOT. Qualquer dose de um antimicrobiano recebida durante um período de 24 horas representa 1 DOT”.

“O número de dias em que o paciente recebe agentes antimicrobianos sistêmicos, independentemente do número de fármacos, corresponde à Duração da Terapia (“Lenght of Therapy” – LOT). Portanto, a LOT será menor ou igual ao DOT já que cada antimicrobiano recebido comporta a sua própria DOT. Ao contrário do DOT, a LOT não pode ser usada para comparar o uso de drogas específicas, mas fornece uma avaliação mais precisa da duração da terapia antibacteriana”.

“A DDD foi criada para medir o consumo de antimicrobianos em programas de gerenciamento do uso de antimicrobianos e existem diferentes razões para que não seja usada especificamente para medir o impacto do programa no uso destes medicamentos. Sua incapacidade em mostrar o número de pacientes de fato expostos aos fármacos constitui-se numa limitação importante. Outra limitação fundamental ao uso da DDD é a população pediátrica. Os números ficam não interpretáveis, já que não existe uma DDD padrão em pediatria, pois as doses individuais variam de acordo com o peso da criança. O uso de maiores doses em gramas dos antimicrobianos para tratamento de infecções mais graves, pacientes obesos ou com infecção no sistema nervoso central podem superestimar a DDD; doses menores para ajustes de insuficiência renal, podem gerar resultados subestimados na DDD. A medida do DOT é relativamente intuitiva e oferece maior relevância clínica e maior precisão na relação entre o tratamento recebido e o paciente, em comparação com a DDD. Uma significativa limitação do DOT, como também da DDD, é a situação da terapia combinada de antimicrobianos versus monoterapia para a mesma indicação clínica. Num tratamento de 7 dias, dois antimicrobianos combinados contribuem para 14 DOTs, enquanto em monoterapia soma 7 DOTs. Esta discrepância pode ser corrigida pela medida de LOT. O número de antimicrobianos usados no tratamento é irrelevante na LOT, mas não na DOT”.

“Outras medidas de processo recomendadas incluem a distribuição proporcional das indicações para os antimicrobianos prescritos, percentual da prescrição de antimicrobianos com suspensão/revisão, percentual de revisão dos antimicrobianos prescritos após 48-72 horas do início da antibioticoterapia, percentual de descalonamento da antibioticoterapia inicial, percentual de adesão aos protocolos de antibioticoterapia empírica e de profilaxia cirúrgica e eventos redundantes de antibioticoterapia”.

“Os indicadores de resultados ou desfecho podem ser categorizados em microbiológicos, clínicos e financeiros (custos). Os principais indicadores recomendados para análise do impacto microbiológico são as taxas de incidência de infecção por C. difficile e por bactérias multirresistentes de destaque, como as enterobactérias produtoras-ESBL, as Gram-negativas (Acinetobacter spp., Pseudomonas aeruginosa e Klebsiella pneumoniae) e também as Gram-positivas (Staphylococcus aureus e Enterococcus spp.). Desfechos sobre os resultados clínicos dos pacientes como, taxas de mortalidade global e específica relacionada a bactérias resistentes, extensão da permanência (duração da hospitalização), taxas de melhora clínica/cura e readmissão relacionada a diagnósticos infecciosos e taxas de reações adversas aos antibióticos, podem ser elementos importantes para demonstrar o impacto clínico desses programas. A redução de custo é um importante desfecho para programas de gerenciamento de uso de antimicrobianos e relativamente fácil de mensurar. Entretanto, como os custos de aquisição de antimicrobianos podem variar institucionalmente, localmente e ao longo do tempo, não podem ser usados para propostas de mensuração do desempenho do hospital em comparação com outros serviços de saúde.  O custo com antimicrobianos pode ser calculado no hospital em geral ou em uma unidade específica em determinado período de tempo. Também pode ser medido para tratamentos específicos ou por indicação clínica”.

“Os dados sobre o uso e os custos de antimicrobianos, as susceptibilidades bacterianas a agentes antimicrobianos de antibiogramas específicos de unidades e do hospital, taxas de IRAS (infecção de sítio cirúrgico, infecção primária de corrente sanguínea, entre outras) e indicadores de qualidade relacionados à infecção devem ser comparados antes e depois da implementação do Programa e ao longo do tempo para documentar o impacto das suas atividades e identificar tendências. Além disso, os dados institucionais também podem ser comparados com os dados de outros hospitais locais e com dados de literatura publicada. A divulgação sistemática e regular de informações sobre o resultado do Programa para todos os profissionais do hospital, com ênfase para gestores, médicos, enfermeiros e funcionários relevantes no gerenciamento do uso de antimicrobianos é um dos elementos-chave para um Programa bem-sucedido”.

A leitura do documento original apresenta informações importantes sobre cada uma dessas estratégias e indicadores, que devem ser adaptadas à realidade institucional, incluindo grau de desenvolvimento e participação no programa de uso racional, interação com corpo clínico, recursos de informatização e financeiros disponíveis e o perfil de sensibilidade das cepas hospitalares, incluindo mecanismos de resistência microbiana mais frequentes.

Esta diretriz da ANVISA apresenta também recomendações específicas sobre a participação da farmácia clínica, do laboratório de microbiologia, porém não detalha a fundamental participação da CCIH, pioneira em realizar estratégias para o controle de antimicrobianos. Realmente, a farmácia clínica e o laboratório de microbiologia são importantíssimos e necessitam de um amplo desenvolvimento em nosso meio. Não ficou claro se essa foi uma omissão intencional, ou se já se considera a participação da CCIH amplamente consolidada. Se for esta alternativa, a força de um documento oficial ajudaria este importante e pioneiro parceiro dos programas de controle de antimicrobianos, pois é obvio para nós, que as ações de vigilância epidemiológica realizadas pela CCIH já incluem a análise das prescrições de antimicrobianos e dos resultados dos exames microbiológicos e que em muitas instituições as visitas beira leito que reúnem aos profissionais da unidade, a CCIH, farmácia e microbiologia são importantes ferramentas empregadas, com reflexos diretos na utilização criteriosa de antibióticos. Mais uma vez, a ANVISA perdeu uma grande oportunidade de reconhecer a realidade dentro de várias instituições e utilizar e divulgar essas experiências bem-sucedidas, como sugestões adaptadas à nossa história e realidade.

 

“A educação permanente dos profissionais de saúde visa aumentar a conscientização sobre a importância da prescrição dos antimicrobianos, seguindo os protocolos definidos localmente, com o objetivo de garantir o efeito fármaco-terapêutico máximo dos antimicrobianos, reduzindo a ocorrência de eventos adversos nos pacientes atendidos e prevenindo a seleção e a disseminação de microrganismos multirresistentes. Como medidas educativas, além de capacitações presenciais ou à distância, seminários e treinamentos para todos os profissionais de saúde do serviço, podem ser disponibilizados guias de orientação sobre medidas de prevenção de infecção e uso terapêutico de antimicrobianos”.

Outra grande omissão deste documento foi não ter debatido o que pode ser feito na graduação dos profissionais de saúde para que a gestão da prescrição dos antimicrobianos não fique exclusivamente a cargo das instituições de saúde. De uma maneira geral, e com raríssimas exceções, é quase que totalmente ignorado o ensino das principais medidas de prevenção e controle das infecções e demais adversidades relacionadas à assistência, noções básicas do papel de cada profissional na equipe de saúde e como poderia ser feita sua integração no processo assistencial, enfim como gerenciar os riscos de sua atividade, evitando problemas ético e legais, e com isso contribuir para a saúde da coletividade e uma melhor adequação e resolutividade dos serviços de saúde. Os documentos da OMS, já comentados neste site, abordam estes problemas que foi completamente ignorado neste documento. As implicações de se formar bem os profissionais de saúde são óbvias já a médio prazo. A participação de “instituições de ensino relacionadas ao tema”, como afirma o documento, seria uma oportunidade ímpar para iniciar esse debate do currículo mínimo para formação na área da saúde, adequando-o ao desafio da resistência microbiana e da prevenção e controle das adversidades da assistência à saúde.

Finalizando minhas considerações, apesar das sugestões apresentadas, que espero serem debatidas e corrigidas, se pertinentes, em posteriores revisões, este documento é uma importante ferramenta para a melhoria da saúde coletiva e parabenizo a ANVISA e os participante do documento pela sua realização e as informações apresentadas, ainda que incompletas em alguns aspectos, são fundamentais para enfrentarmos este que é o desafio global para a saúde da coletividade no século XXI.

 

Sinopse por: Antonio Tadeu Fernandes.

 

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