Surtos nosocomiais da síndrome respiratória aguda grave do corinavírus-2 (SARS-CoV-2) são frequentes e representam uma ulterior carga para os sistemas de saúde que lidam com a pandemia de COVID-19. Os autores tiveram como objetivo: estabelecer as vias de transmissão viral, reconstruir a árvore de transmissão, identificar os principais modos de direcionalidade de transmissão, avaliar o impacto das medidas de prevenção e controle de infecção (IPC) no controle do surto e avaliar os fatores de risco para aquisição nosocomial de SARS- CoV-2.
Qual é a justificativa do estudo?
Surtos nosocomiais da síndrome respiratória aguda grave do corinavírus-2 (SARS-CoV-2) são frequentes e representam uma ulterior carga para os sistemas de saúde que lidam com a pandemia de COVID-19. Esses surtos nosocomiais representam um desafio para os profissionais de prevenção e controle de infecção (IPC), apesar da implementação de medidas preventivas tradicionais. Entre as hipóteses para a origem desses surtos estão os desafios da transmissão assintomática e pré-sintomática da SARS-CoV-2 e o papel dos profissionais de saúde (HCW) como vetores e vítimas desses surtos.
Qual é o objetivo do estudo?
Neste estudo buscou-se investigar um surto nosocomial que ocorreu em uma clínica de reabilitação durante a primeira onda da pandemia de COVID-19. Os autores tiveram como objetivo: estabelecer as vias de transmissão viral, reconstruir a árvore de transmissão, identificar os principais modos de direcionalidade de transmissão, avaliar o impacto das medidas de prevenção e controle de infecção (IPC) no controle do surto e avaliar os fatores de risco para aquisição nosocomial de SARS- CoV-2.
Qual metodologia foi aplicada?
O estudo foi uma descrição retrospectiva e análise de surto de SARS-CoV-2 envolvendo pacientes e profissionais de saúde em uma clínica de reabilitação do Hospital da Universidade de Genebra (HUG) – hospital de cuidados terciários com 5 enfermarias de longa permanência e 88 leitos.
Foi realizado um estudo de caso-controle com os profissionais de saúde e pacientes. Os HCWs foram incluídos no estudo do surto se estivessem empregados na clínica de reabilitação durante o período do estudo e apresentassem um RT-PCR positivo para SARS-CoV-2; os dados dos pacientes foram coletados como parte da vigilância prospectiva de todos os pacientes hospitalizados com COVID-19 dos prontuários eletrônicos. Entre as variáveis coletadas estavam a Escala de Fragilidade Clínica (CFS), hipoalbuminemia (e hipoprealbuminemia) como um indicador para desnutrição, tabagismo atual, idade, índice de massa corporal, comorbidades, o Índice de Comorbidade de Charlson e a Escala de Avaliação Cumulativa de Doença – Geriátrica (CIRS-G).
O sequenciamento completo do genoma (WGS) do SARS-CoV-2 foi realizado e análises evolutivas foram conduzidas usando o método de máxima verossimilhança e o modelo Tamura de 3 parâmetros. Os dados epidemiológicos e genéticos foram combinados para reconstruir quem infectou quem usando o pacote R “outbreaker2” – modelo que utiliza uma estrutura bayesiana, que combina informações sobre o tempo de geração com um modelo de evolução de sequência para reconstruir probabilisticamente a árvore de transmissão.
Quais foram os principais resultados?
O período de surto foi de 1º de março até 19 de abril de 2020 – sendo o primeiro caso sendo um HCW detectado dias 14 de março e o último em 17 de abril de 2020. No total o surto envolveu 37 pacientes e 39 funcionários (incluído dois administrativos). A taxa de ataque a nível institucional para os pacientes foi 21,2%.
Foram implementadas diversas medidas de IPC sequencialmente. Os funcionários com RT-PCR positivo foram imediatamente colocados em licença obrigatória por um período mínimo de 10 dias, contados a partir do início dos sintomas. Foram realizadas duas triagens de prevalência pontual nas enfermarias envolvendo todos os pacientes e todos os funcionários foram fortemente encorajados a realizar o teste. A partir de 2 de abril foi implementada a prática de triagem universal na admissão. Durante o período de estudo, a taxa de transmissão (Rt) diminuiu rapidamente, passando de 2,17 em 21 de março para <1 de 28 de março. A implementação de precauções preventivas de contato e mascaramento obrigatório diminuíram ainda mais a Rt.
Tratando-se do WGS, foram obtidas sequencias para 62 casos (31 pacientes e 31 funcionários) e uma arvore filogenética foi gerada. 60 sequencias (96.8%) formaram um grande agrupamento único indicando transmissão comunitária, enquanto apenas 2 casos (3.2%) sugerem importação. A reconstrução probabilística de quem infectou quem demonstrou incerteza substancial, com dificuldade em identificar com probabilidade segura os ancestrais/infectantes. Apesar disso, a arvore de transmissão sugere vários eventos de superespalhamento, provavelmente gerados por profissionais de saúde.
Na análise univariável, os pacientes com COVID-19 nosocomial eram significativamente mais velhos do que os controles não infectados, eram menos propensos a serem fumantes ativos e eram mais frágeis. Não houve diferenças significativas entre os casos nosocomiais e os controles não infectados em termos de obesidade, delírio na admissão ou prevalência de comorbidades, exceto por uma proporção menor de casos com doença respiratória crônica entre os pacientes com COVID-19 nosocomial. Na análise multivariável, a pontuação CFS> 5 aumentou substancialmente o risco de COVID-19 nosocomial.
Que conclusões e recomendações finais?
Os autores concluem que surtos nosocomiais de SARS-CoV-2 em clínicas de reabilitação podem se espalhar muito rapidamente e que tanto a introdução quanto a disseminação da doença são fortemente mediadas por profissionais de saúde. Sendo assim, concluem que é fundamenta continuar a desenvolver e implementar estratégias preventivas para proteger principalmente as populações mais velhas e frágeis. O estudo identificou a fragilidade do paciente como um importante fator de risco independente para aquisição nosocomial de SARS-CoV-2. Isso pode decorrer de fenômenos biológicos em que há maior suscetibilidade de adquirir uma infecção, ou de diferenças nos padrões de contato porque pacientes frágeis requerem mais assistência para atividades diárias, como higiene pessoal ou vestir-se.
Por fim, os autores ressaltam que neste estudo os dados genômicos, mesmo acompanhados de dados epidemiológicos ricos, não agregaram valor significativo.
Quais foram as limitações do estudo?
Os pesquisadores ressaltam algumas limitações. A primeira é que as estimativas de intervalo serial e períodos de incubação que foram selecionados são contestáveis. Outra é que nem todos os casos foram submetidos ao WGS e 14 casos foram deixados de fora da arvore de transmissão gerada.
Quais críticas e observações?
O estudo em questão se destaca pela ótima aplicação das ferramentas epidemiológicas. Os autores selecionaram técnicas e conceitos atualizados; foram utilizadas técnicas sofisticadas de modelagem e realizada uma interessante combinação entre os dados de WGS e epidemiológicos para determinar os padrões de transmissão. Além disso os autores expõem os dados e análises de forma muito clara durante todo o artigo.
Este estudo ganha importância quando, por mais absurdo que possa ser, segundo informações veiculadas na imprensa, entidades brasileiras sugerem que profissionais de saúde com Covid possam voltar ao trabalho quando ainda podem estar sintomáticos e com risco de transmissão da doença aos pacientes.
Fonte: Abbas M, Robalo Nunes T, Cori A, Cordey S, Laubscher F, Baggio S, Jombart T, Iten A, Vieux L, Teixeira D, Perez M, Pittet D, Frangos E, Graf CE, Zingg W, Harbarth S. Explosive nosocomial outbreak of SARS-CoV-2 in a rehabilitation clinic: the limits of genomics for outbreak reconstruction. J Hosp Infect. 2021 Nov;117:124-134.
Sinopse por: Maria Julia Ricci
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