Esse consenso aconselha hospitais e profissionais da saúde sobre como melhorar o stewardship de antimicrobianos e o uso de antibióticos durante crises de saúde, como surtos, epidemias e pandemias.
Qual a justificativa da publicação?
Durante a pandemia de COVID-19 o uso inapropriado de antibióticos aumentou devido a união de fatores como a rápida erupção de novas informações sobre essa doença viral, os achados clínicos e laboratoriais que poderiam ser indicativos de coinfecção bacteriana, como em outras infecções respiratórias causadas por vírus, e o fato de que a coinfecção bacteriana pode aumentar a morbidade e mortalidade. Levando em consideração esse panorama, essa declaração aborda a prescrição inapropriada de antibióticos durante a pandemia de COVID-19 sob a perspectiva de exacerbação da emergência de saúde pública relacionada a resistência aos antimicrobianos de bactérias e fungos patogênicos.
Qual foi objetivo da publicação?
Os autores discutiram as condições da pandemia de COVID-19 que resultaram no uso inapropriado de antibióticos em pacientes adultos hospitalizados, e as possíveis abordagens para a melhoria das práticas para um contexto similar futuro (surtos, epidemias e pandemias). Além disso, discutem o papel central de programas de stewardship de antimicrobianos (ASP) na resposta a pandemia.
Qual a metodologia utilizada?
Foi realizada uma busca nas principais plataformas de pesquisa científica usando termos relacionados a temática e uma estratégia de busca desenvolvida por um bibliotecário médico consultor, considerando o período de 1º de dezembro de 2019 a 17 de agosto de 2021. Os autores então selecionaram as publicações mais relevantes por meio dos resumos e da revisão do texto completo. O documento final foi estruturado na forma de quesitos, cada um seguido pelas principais recomendações e uma breve discussão levando em conta a bibliografia selecionada; esse documento então foi revisado e aprovado por diversos comitês internos da SHEA (Society for Healthcare Epidemiology of America).
Quais foram os quesitos e as recomendações principais?
Como os profissionais e estruturas de saúde podem melhorar a prescrição de antibióticos durante uma pandemia ou epidemia?
Recomenda-se limitar a iniciação de antibióticos, principalmente de agentes de amplo espectro, em pacientes de cuidado agudo com alta probabilidade pré-testagem de infecção viral.
Quais são os testes diagnósticos apropriados para pacientes admitidos no hospital?
Recomenda-se realizar testes de marcadores inflamatórios – incluindo proteína C reativa, lactato desidrogenase, D-dímero, ferritina sérica, troponina de alta sensibilidade – com particular ênfase em pacientes criticamente doente. Esses testes laboratoriais devem ser repetidos apenas na medida em que fornecem dados clínicos que possibilitem ação. O teste de proteína C reativa pode ser monitorado se indicado para auxiliar em tratamentos respiratórios – no caso da COVID-19 para o uso de agentes biológicos como tocilizumabe ou baricitinibe.
Os marcadores de inflamação não devem ser usados como base para iniciar com tratamento com agentes antibióticos ou antifúngicos, pois podem não ser indicativos de coinfecção bacteriana ou fúngica; também não é aconselhado o uso rotineiro de pró-calcitonina na decisão de iniciar tratamento antibiótico. Para epidemias e pandemias futuras, os profissionais de saúde deverão monitorar a relação de marcadores de inflamação e quadros infecciosos.
Por fim, não se recomenda a obtenção de cultura bacteriana ou testes respiratórios para aplicação de técnica de PCR multiplex para pacientes que não apresentam sintomas consistentes com infecção bacteriana, particularmente se estáveis e não internados em UTI.
Quando considerar uso de antibióticos durante pandemias e epidemias de doenças respiratórias de origem viral?
É importante que os profissionais de saúde identifiquem os pacientes que requerem tratamento antibiótico empírico, mesmo que as taxas de coinfecção durante a admissão tenham sido baixas tanto durante a pandemia de COVID-19 quanto em pandemias respiratórias virais precedentes. Tratando-se de casos de coinfecção adquirida na comunidade e tratada no momento da admissão hospitalar, é recomendada a prescrição de acordo com os guidelines para pneumonia comunitária, evitando a prescrição de antibióticos tipicamente relacionados a infecções nosocomiais. Deve-se considerar também a possibilidade de coinfecção por outros vírus; no caso da influenza, por exemplo, indica-se iniciar terapia com oseltamivir. Por fim, para paciente hospitalizados por um período maior que 48 horas e que, portanto, apresentam maior risco para infecções relacionadas a assistência à saúde (IRAS) e infecção por microrganismos multirresistentes a drogas, recomenda-se considerar o tratamento antibiótico (incluindo cobertura de amplo espectro) quando houver sinais clínicos consistentes com infecção nosocomial bacteriana ou fúngica.
Quais testes microbiológicos e radiográficos apropriados no caso de início de terapia antibiótica em pacientes com possível coinfecção bacteriana?
Primeiramente, ressalta-se que antes de dar início ao tratamento com antibióticos deve-se tentar obter um diagnóstico microbiológico. Testes respiratórios de PCR multiplex devem ser limitados a pacientes em UTI e pacientes que requerem terapia de amplo espectro. A repetição de testes microbiológicos deve ser realizada se congruente a mudança do estado clínico do paciente. No caso de tratamento anti-MRSA recomenda-se realização de um swab nasal para MRSA. Testagem de rotina para infecções fúngicas não devem ser realizados na ausência de sintomas clínicos que levem a suspeita de infecção fúngica.
A necessidade de antibióticos deve ser revisada no prazo de 48-72 horas conforme o resultado dos testes são disponibilizados e deve-se realizar descalonamento ou descontinuação da terapia antibiótica com base nos resultados e na resposta clínica. Resultados de procalcitonina podem auxiliar na descalonamento ou descontinuação.
Testes radiográficos devem ser obtidos para avaliar a extensão do envolvimento pulmonar, mas repetição diária não é indicada. O uso de tomografia computadorizada (TC) do tórax deve ser reservado a circunstâncias em que os resultados possam levar a alterações no manejo clínico, como por exemplo em casos de suspeita de embolo pulmonar.
Qual foi o papel de programas de stewardship de antimicrobianos em uma pandemia ou epidemia?
Os programas de stewardship de antimicrobianos devem monitorar as informações emergentes e atualizações dos guidelines nacionais e internacionais relevantes a prescrição de antibióticos, revisar as recomendações clínicas relevantes ao uso de antimicrobianos, e educar os profissionais da saúde da linha de frente para suportar o uso adequado de antimicrobianos.
Quais as limitações e conclusões finais?
A publicação tem suas limitações, sobretudo por não ser uma revisão sistemática de literatura, não deve ser um substituto para a avaliação de profissionais ou painéis qualificados. Sendo assim, os autores concluem que a pandemia de COVID-19 exacerbou a emergência de saúde pública global de resistência antimicrobiana e urge que estruturas e profissionais de saúde apliquem as lições aprendidas desta experiência de modo a prevenir danos e facilitar a assistência a saúde baseada em evidências, principalmente contando com a assistência de ASP.
Fonte: Barlam TF, Al Mohajer M, Al-Tawfiq JA, Auguste AJ, Cunha CB, Forrest GN, Gross AE, Lee RA, Seo SK, Suh KN, Volk S, Schaffzin JK. SHEA statement on antibiotic stewardship in hospitals during public health emergencies. Infect Control Hosp Epidemiol. 2022 Nov;43(11):1541-1552
Link: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9672827/
https://doi.org/10.1017/ice.2022.194
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Sinopse por: Maria Julia Ricci
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Intersecção entre resistência antibiótica, uso de antibióticos e COVID-19 –
https://www.hhs.gov/sites/default/files/antibiotic-resistance-antibiotic-use-covid-19-paccarb.pdf
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Stewardship de Antimicrobianos: da estruturação à prática – Curso Express –
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