A origem das infecções associadas a biomateriais (BAI) ainda está em debate. Possíveis fontes de contaminação incluem o ar da sala cirúrgica, a pele do paciente e as mãos da equipe cirúrgica. Essas infecções são particularmente ameaçadoras pois em biomateriais, mesmo um pequeno número de bactérias pode formar biofilmes, dificultando a ação das células de defesa e dos antibióticos.
A desinfecção com clorexidina da pele dos pacientes antes da realização de procedimentos cirúrgicos é fundamental para prevenir infecções, no entanto, as bactérias localizadas nas camadas mais profundas na pele (por exemplo, em folículos capilares, glândulas sudoríparas ou sebáceas) podem não ser alcançadas.
Um estudo de coorte incluindo 99 pacientes submetidos a cirurgia de trauma ortopédico, investigou:
(1) a eficácia da desinfecção rotineira com clorexidina;
(2) a proporção e natureza da microbiota cutânea despreendida na ferida cirúrgica ao cortar a pele como uma possível fonte de infecção associada a biomateriais.
Foram coletados 3 swabs de cada paciente, sendo:
(1º) da pele antes da desinfecção com clorexidina (0.5% clorexidina) para avaliar a microbiota antes do procedimento;
(2º) da pele após a desinfecção, para avaliar a eficácia da desinfecção;
(3º) da ferida cirúrgica imediatamente após a incisão da pele, para avaliar a liberação de bactérias devido a incisão.
Além disso, foram coletadas as 2 lâminas utilizadas para incisão, sendo uma usada para a pele superficial e uma para o tecido profundo. As amostras coletadas foram isoladas, quantificas e identificadas para investigar se a microbiota cutânea coloniza a ferida uma vez liberta das camadas profundas.
Os resultados mostraram que apesar da desinfecção ser capaz de reduzir o número de UFC/swab , 40% das amostras de swab coletados após a desinfecção da pele com clorexidina 0,5% ainda apresentavam cultura positiva. Destes, 54% tiveram uma cultura positiva da ferida após o corte da pele. Além disso, 20% dos pacientes com cultura negativa no 2º swab tiveram a 3ª cultura positiva, indicando contaminação da ferida apesar de uma antissepsia eficaz.
Com relação às lâminas, em 33% dos casos a 1ª lâmina (pele) apresentou cultura positiva. Já em relação à 2ª lâmina (tecido profundo), 52% dos casos em que a 1ª lâmina apresentou cultura positiva a 2ª lâmina também apresentou cultura positiva. Em 24% dos casos em que a 1ª lâmina apresentou cultura negativa a 2ª lâmina apresentou cultura positiva.
Os autores concluem que as bactérias presentes nas camadas mais profundas da pele dos pacientes e introduzidas na ferida cirúrgica pela incisão podem ser numericamente suficientes para causar infecções associadas a biomateriais. O uso de antissépticos deve ser investigado de maneira mais aprofundada.
Fonte: Guarch-Pérez C, Riool M, de Boer L, Kloen P, Zaat SAJ. Bacterial reservoir in deeper skin is a potential source for surgical site and biomaterial-associated infections. J Hosp Infect. 2023;140:62-71.