Quais os comportamentos adotados em centro cirúrgicos são realmente benéficos para a prevenção de infecções?Essa publicação apresenta as diretrizes elaboradas em conjunto pela Healthcare Infection Society e da European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases que analisam e fazem recomendações sobre os rituais e comportamentos a serem mantidos ou abandonados em centros cirúrgicos.
Qual o contexto da publicação?
Os cuidados cirúrgicos são uma parte essencial dos cuidados de saúde, mas também estão associados a um risco significativo de complicações, sendo as infecções pós-operatórias particularmente preocupantes. Ao longo das décadas, diferentes práticas e comportamentos ritualísticos foram incorporados em centros cirúrgicos e salas operatórias com o objetivo de reduzir a contaminação ambiental e o risco subsequente de infecções do sítio cirúrgico. Essas práticas, apesar de amplamente aceitas e praticadas, nem sempre tem uma base de evidências suficiente para corroborar a sua perpetuação e geralmente não são abordadas por diretrizes de prevenção de infecções de sítio cirúrgico.
Qual o objetivo dessa publicação sobre os centros cirúrgicos?
Para que alguns dos rituais e comportamentos possam ser abandonados, há a necessidade de demonstrar quais tem e quais não tem impacto benéfico para os desfechos clínicos dos pacientes e para a segurança da equipe. Sendo assim, a publicação teve como objetivo revisar as evidências disponíveis sobre essas práticas e fazer recomendações claras sobre quais comportamentos precisam ser mantidos e quais podem ser descontinuados com segurança. Além isso, visa identificar áreas que precisam de mais pesquisa para informar as diretrizes futuras.
Quais os critérios de classificação de evidência adotados e a estrutura das recomendações feitas?
Os autores revisaram publicações feitas até janeiro de 2022 e as evidências referentes a cada tópico foram classificadas de acordo com o sistema GRADE. Os resultados, por sua vez, foram divididos em duas categorias – “recomendações” e “pontos de boa prática” – sendo as “recomendações” as recomendações com base nas evidências e os “pontos de boa pratica” as recomendações consideradas essenciais ou benéficas pelo consenso dos experts, mas sem evidências suficientes disponíveis para suportar ou refutar.
As diretrizes são apresentadas subdivididas nas categorias ‘ambiente do centro cirúrgico’, ‘preparação para cirurgia’, ‘comportamento dos profissionais’, ‘vestimenta dos profissionais’ e ‘vestimentas de pacientes e visitantes’, e os comportamentos e rituais em análise são apresentados em forma de perguntas que são respondidas pelas recomendações ou pontos de boa prática.
Quais as diretrizes para o ambiente do centro cirúrgico?
1. (a) A limpeza/desinfecção do centro cirúrgico tem algum efeito na infecção do sítio cirúrgico? (b) Quão importante é a limpeza do centro cirúrgico para além do campo estéril? (c) A organização ou a desordem do centro cirúrgico importa?
Recomendações
1.1. Todas as superfícies em contato com mãos ou corpo do paciente, da equipe e de visitantes devem ser limpas entre cada paciente.
1.2. Além da limpeza entre pacientes, superfícies em contato com mãos ou corpo do paciente e da equipe devem ser limpas após procedimentos sujos ou contaminados, assim como quaisquer áreas contaminadas por sangue ou fluidos corporais.
Pontos de boa prática
1.1. Equipamentos de cuidados clínicos, incluindo máquinas de anestesia, devem ser limpas e desinfetadas após cada paciente e antes que o próximo paciente chegue à sala operatória.
1.2. Superfícies que entram em contato com as mãos dos profissionais na sala de anestesia devem ser limpas e desinfetadas antes da chegada do próximo paciente.
1.3. A sala operatória deve ser mantida arrumada e desprovida de bagunça, seguindo as práticas locais de organização.
2. Se ocorrerem respingos de sangue ou outras formas de contaminação por fluidos corporais, eles podem ser uma fonte de infecção viral transmitida por sangue?
Pontos de boa prática
2.1. Sempre que houver respingo de sangue ou fluidos corporais, limpe e desinfecte imediatamente superfícies de contato com as mãos e pisos.
2.2. Não suspenda o uso de salas operatórias para substituição de telas ou filtros de ventilação se ficarem contaminados com respingos de sangue ou fluidos.
3. Trazer macas e roupa de cama de outras alas ou áreas de cuidados clínicos para o centro cirúrgico pode resultar em aumento da contagem de bactérias ou de infecções pós-operatórias?
Pontos de boa prática
3.1. Macas limpas e com roupa de cama limpas e recentes podem ser trazidas para o centro cirúrgico diretamente de áreas clínicas.
4. (a) A ordem em que os pacientes são operados (ou seja, pacientes com infecção/colonização bacteriana multirresistente transmissível por contato suspeita ou confirmada alocados ao final de listas operatórias) reduz a infecção pós-operatória? (b) Esses pacientes devem se recuperar separadamente de outros pacientes antes de serem transferidos para a enfermaria?
Recomendações
4.1. Não há necessidade de colocar pacientes com infecção/colonização bacteriana multirresistente transmissível por contato suspeita ou confirmada ao final da lista operatória, desde que a sala operatória seja limpa e desinfetada entre pacientes e que o sistema de ventilação esteja funcionando de forma adequada e ininterrupta.
Pontos de boa prática
4.1. Permita que os pacientes com precauções de contato/isolamento se recuperem na sala de cirurgia ou em uma seção designada da área de recuperação.
Quais as diretrizes para preparação para cirurgia?
5. Qual a eficácia do banho pré-operatório antes de procedimentos cirúrgicos eletivos (a) com ou (b) sem agente desinfetante?
Pontos de boa prática
5.1. Incentive os pacientes a tomar banho antes da cirurgia por razões de higiene pessoal. Considere usar alternativas (por exemplo, lenços umedecidos) imediatamente antes da cirurgia para pacientes que não podem tomar banho antes da cirurgia.
5.2. Não atrase as cirurgias pela impossibilidade do paciente tomar banho antes da operação.
5.3. Instrua os pacientes a não rasparem/depilarem a área cirúrgica nos dias anteriores a operação. Inclua essa diretiva em qualquer tipo de orientação escrita fornecida ao paciente/cuidador antes da operação.
6. Qual o antisséptico cutâneo pré-operatório mais eficaz?
Recomendações
6.1. Consultar as recomendações 1.3.7, 1.3.8, 1.3.9 e a Tabela 1 que acompanha as diretrizes do NICE (National Institute for Clinical Excellence do Reino Unido) de prevenção e tratamento de infecções do sítio cirúrgico (NG125) para obter orientações para escolha da solução adequada para a preparação da pele. (https://www.nice.org.uk/guidance/ng125)
Quais as diretrizes para comportamento dos profissionais?
7. (a) Os instrumentos cirúrgicos devem ser disponibilizados para uso (desembalados, inspecionados e expostos) o mais próximo possível do uso? (b) Os instrumentos cirúrgicos usados em sala operatória de fluxo de ar laminar devem ser cobertos?
Recomendações
7.1. Para todos os procedimentos cirúrgicos, disponibilize os instrumentos/materiais prostéticos o mais próximo possível de quando serão necessários.
Pontos de boa prática
7.1. Para salas operatórias com fluxo de ar laminar, manter os instrumentos cobertos ou em sala adjacente apropriada quando possível.
8. Qual o produto recomendado para lavagem cirúrgica das mãos (surgical scrub)?
Recomendações
8.1. Consultar as recomendações 1.3.1 e 1.3.2 das diretrizes do NICE (National Institute for Clinical Excellence do Reino Unido) de prevenção e tratamento de infecções do sítio cirúrgico (NG125) para obter orientações para escolha da solução adequada de soluções para descontaminação das mãos. (https://www.nice.org.uk/guidance/ng125)
9. A movimentação de entrada e saída dos profissionais da sala operatória afeta a contagem de bactérias no ar e as taxas de infecção?
Recomendações
9.1 Minimize a movimentação de entrada e saída que não sejam essenciais, minimizando, portanto, a abertura de portas durante as cirurgias e a contagem de bactérias no ar.
Quais as diretrizes para vestimentas dos profissionais?
10. A equipe cirúrgica deve remover jóias, unhas postiças e esmaltes antes de entrar no centro cirúrgico?
Recomendações
10.1. Não permita que a equipe cirúrgica que atua no campo estéril use jóias abaixo do cotovelo. Onde as jóias não puderem ser removidas, a área ao redor e abaixo de qualquer item de jóia deve ser cuidadosamente limpa o máximo possível durante o processo de lavagem.
10.2. Não permita que a equipe cirúrgica, de atuação no campo estéril e fora dele, use unhas postiças ou com esmaltes na sala operatória.
11. (a) A equipe deve cobrir o cabelo? (b) Os profissionais devem usar máscara facial?
Pontos de boa prática
11.1. Todos os funcionários que trabalham na sala operatória devem usar máscara facial e cobertura para cabeça de acordo com as políticas locais.
11.2. Quando há uso de máscara facial, elas devem ser trocadas periodicamente.
12. Qual o impacto de utilizar as roupas da sala operatória fora do centro cirúrgico?
Pontos de boa prática
12.1. Troque ou cubra as vestimentas de sala operatória (por exemplo, com um avental descartável) e troque de calçado ao sair do centro cirúrgico com intenção de retornar.
Quais as diretrizes para vestimentas dos pacientes e visitantes?
13. Os pacientes devem remover jóias, unhas postiças e esmaltes antes de serem levado para o centro cirúrgico?
Pontos de boas práticas
13.1. Consulte a política atual do hospital de gestão de pacientes pré-operatórios.
13.2. Se os pacientes devem remover jóias, unhas postiças e esmaltes antes de acessar o centro cirúrgico, inclua essa informação de forma escrita nas informações de preparativos para a cirurgia.
14. Os pacientes devem cobrir o cabelo antes de entrar no centro cirúrgico?
Pontos de boa prática
14.1. Consulte a política atual do hospital de gestão de pacientes pré-operatórios, mesmo que para fins de prevenção de infecções não seja uma prática requerida.
15. (a) O que os pais/responsáveis/cuidadores/acompanhantes devem usar ao acompanhar o paciente ao centro cirúrgico? (b) Pacientes ou outros indivíduos vestidos com roupas comuns no centro cirúrgico podem levar ao aumento da contagem bacteriana ou da taxa de infecções pós-operatórias?
Pontos de boa prática
15.1. Peça aos acompanhantes do paciente que usem pijama cirúrgico ou equivalente (por exemplo, vestimentas/conjuntos/macacões de uso único), juntamente com coberturas para a cabeça e máscara facial, ao adentrar a sala operatória de acordo com a política local. Não é necessário trocar os sapatos.
15.2. Certifique-se que visitantes (como técnicos ou representantes de empresas) cumpram a política local de vestimenta para o centro cirúrgico.
Quais as considerações finais dos autores?
Os autores concluem a publicação ressaltando as lacunas de evidências encontradas em quase todos os tópicos, o que explica porque a maior parte das diretrizes é de ‘pontos de boa prática’ e não de ‘recomendações’. Destacam ainda a ampla gama de oportunidades de pesquisa demonstrada por essas lacunas e a urgência de esclarecimento desses tópicos para diretrizes futuras.
TAGS – Infecção de sítio cirúrgico, Prevenção, Centro cirúrgico, Diretrizes
Fonte: Humphreys H, Bak A, Ridgway E, et al. Rituals and behaviours in the operating theatre – joint guidelines of the Healthcare Infection Society and the European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases. J Hosp Infect. 2023;140:165.e1-165.e28
Link https://doi.org/10.1016/j.jhin.2023.06.009
Sinopse por: Maria Julia Ricci
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Links relacionados:
Compêndio das estratégias recomendardes pela SHEA para prevenção de infecção de sítio cirúrgico – https://www.ccih.med.br/compendio-das-estrategias-recomendadas-pela-shea-para-prevencao-de-infeccao-de-sitio-cirurgico/
Como estão as práticas de segurança do paciente no Brasil segundo a ANVISA – https://www.ccih.med.br/como-estao-as-praticas-de-seguranca-do-paciente-no-brasil-segundo-a-anvisa/
Fatores sociodemograficos associados as taxas de infecção de sítio cirúrgico em hospitais do interior do estado de São Paulo – https://www.ccih.med.br/fatores-sociodemograficos-associados-as-taxas-de-infeccao-de-sitio-cirurgico-em-hospitais-do-interior-do-estado-de-sao-paulo/
Elaborado por Beatriz Grion