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A COCHRANE COMPROVOU QUE MÁSCARAS CIRÚRGICAS SÃO INEFICAZES PARA CONTER PROPAGAÇÃO DO CORONAVÍRUS?

Está causando grande furor no Brasil uma publicação do Conselho Federal de Medicina, assinada por seu atual presidente e encaminhada à ANVISA sugerindo a abolição da obrigatoriedade do uso de máscaras em vários cenários, devido sua suposta ineficácia. Fizemos uma leitura crítica do citado artigo da Cochrane, a mais conceituada publicação relacionada na referida publicação.

O QUE ESTÁ REALMENTE ESTÁ SENDO ESTUDADO PELA COCHRANE?

Há algum tempo a Cocharne vem fazendo revisões sobre o impacto de medidas não médicas para conter a transmissão de viroses respiratórias. A revisão inclui ensaios clínicos controlados e ensaios de conglomerados, nos quais são comparadas diferentes comunidades, onde as intervenções e o controle são realizados. Este desenho de estudo pode ter vários viéses, pois os conglomerados podem ter diferenças que interfiram no estudo e não há segurança que todos seus membros seguiram as recomendações preconizadas e nem estejam expostos na mesma intensidade.

Dentre estas medidas estudadas está a indicação (mas não o controle efetivo) do uso de máscaras de diversos tipos. Outras intervenções avaliadas são: triagem nos pontos de entrada, isolamento, quarentena, distanciamento físico, proteção individual, higiene das mãos, óculos e gargarejo com antimicrobianos.

QUAL FOI O CRITÉRIO DE SELEÇÃO DE ARTIGOS E QUANTOS FORAM INCLUÍDOS NO ESTUDO?

Foram incluídos 78 artigos em vários cenários distintos: hospitais, escolas, ambientes de trabalho, comunidades urbanas e rurais. Os períodos avaliados tiveram diferentes situações epidemiológicas, como endemia, epidemia de gripe H1N1 e durante a pandemia de COVID, ou seja, doenças distintas, diferentes riscos de contágio e até agentes com transmissibilidade diferentes. As medidas avaliadas também foram muitas e praticamente distintas entre os artigos. Resumidamente foram juntadas casuísticas muito diferentes, intervenções distintas, diferentes cenários epidemiológicos, comprometendo muito a consolidação dos dados devido a sua ampla heterogeneidade. Apenas 6 artigos incluíram o cenário epidemiológico da pandemia. Logo, extrapolar todos para as peculiaridades observadas durante a pandemia é no mínimo temerário.

OS ESTUDOS INCLUÍDOS APRESENTAVAM BOA QUALIDADE CIENTÍFICA?

Os próprios autores concluem que devido ao alto risco de viés nos ensaios, a variação na medição dos resultados e a adesão relativamente baixa às intervenções durante os estudos é difícil obter conclusões firmes. Na parte de limitações do estudo eles também relatam que um relativo baixo número de pessoas seguiram as recomendações sobre o uso de máscaras e higiene das mãos, o que pode ter afetado os resultados dos estudos

Os autores da revisão avaliaram o risco de algum viés nos estudos selecionados. Quanto ao processo de randomização e alocação, 77% dos estudos apresentavam problemas. Quanto ao cegamento dos participantes, 80,7% dos estudos tinham viés. Particularmente, quanto ao uso de máscaras achamos ser impossível esse cegamento dos participantes. Logo neste quesito, todos estudos apresentaram problema. Também quanto ao cegamento dos pesquisadores, tivemos viés em 62,8% dos estudos selecionados. Outro viés encontrado foi a não informação das perdas de seguimento, encontrada em 46,2% dos artigos. Falhas nos relatos de dados foi um viés encontrado em 55.1% dos estudos. Finalmente em 97,4% dos estudos selecionados foi encontrado viés, comprometendo drasticamente a qualidade dos resultados obtidos.

AFINAL, O QUE FALA ESTA REVISÃO SOBRE A IMPORTÂNCIA DAS MÁSCARAS NA PREVENÇÃO DE COVID?

Quanto as máscaras, os autores incluíram 12 ensaios, sendo 2 com profissionais de saúde e 10 de conglomerado na comunidade, exatamente os que apresentam os problemas, como a falta de certeza quanto ao grau de exposição a utilização correta das máscaras e a comparabilidade do risco entre os participantes. A comparação foi feita entre máscaras médicas/cirúrgicas versus sem máscaras para prevenir a propagação de doenças respiratórias virais:

  • uso de máscaras na comunidade provavelmente faz pouca ou nenhuma diferença para o resultado da doença semelhante à gripe /doença semelhante à COVID-19 em comparação com o não uso de máscaras (taxa de risco (RR) 0,95, intervalo de confiança (IC) de 95% 0,84 a 1,09;
  • o uso de máscaras na comunidade provavelmente faz pouca ou nenhuma diferença no resultado de influenza/SARS-CoV-2 confirmado em laboratório em comparação com o não uso de máscaras (RR 1,01, 95% CI 0,72 a 1,42; 6 ensaios, 13.919 participantes).

Porém, como já ressaltamos os estudos foram realizados em vários cenários epidemiológicos, nos quais o risco de transmissão da doença diferia substancialmente, além disso os grupos eram distintos quanto a distribuição ou não de máscaras, não sendo informado ou realizado de maneira uniforme as orientações para uso e a conferência de seu uso em situações de risco, particularmente na comunidade, de onde vem a maioria dos estudos.

A situação dos estudos selecionados não se altera muito quando o foco são as máscaras N95. O resultado de doença respiratória clínica comparando essas máscaras com as cirúrgicas foi de RR 0,70, IC 95% 0,45 a 1,10; em 3 ensaios com 7.779 participantes. Os resultados foram inconclusivos sobre melhor ou igual proteção das máscaras N95. Isto pode ser devido a real ausência de diferença ou ao baixo poder estatístico do estudo. Mas aqui também não é citado o cenário epidemiológico em que foram extraídos esses dados.

Como corolário os próprios autores afirmam que a taxa de pessoas que segue as orientações sobre o uso correto de máscaras foi relativamente baixa o que pode ter afetado os resultados consolidados.

ESSA DIVERSIDADE DE DADOS JUSTIFICARIA A REALIZAÇÃO DE UMA METANÁLISE?

Este é um outro ponto bastante controverso deste estudo. Apesar de ser publicado pela Cochrane, esta revisão não apresenta o tradicional gráfico de floresta, que habitualmente demonstra o resultado do consolidado. Além disso, não são mostrados os cálculos para o grau de heterogeneidade dos estudos, o que é fundamental para avaliarmos se os dados poderiam ser combinados. Acredito que o maior acerto dos autores foi afirmar no final que mais estudos são necessários para elucidar o problema. Assim acho precoce que se tire grandes conclusões, particularmente para um cenário que a pandemia não foi devidamente debelada.

Fonte: Jefferson T et cols. Physical interventions to interrupt or reduce the spread of respiratory viroses. Cochane, 2023

https://doi.org/10.1002/14651858.CD006207.pub6

TAGs/ palavras chave: Covid, máscaras, CFM, ANVISA, revisão sistemática, metanálise

Elaborado por: Antonio Tadeu Fernandes e Laura Czekster Anthochevis

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