O Centro de material e esterilização é essencial para segurança do paciente e controle de infecção ao processar os produtos para a saúde. Neste artigo conheça os princípios de sua atuação e respostas às principais polêmicas de sua atuação. Talvez você não perceba, mas o trabalho do CME apoia praticamente todos os procedimentos hospitalares reduzindo risco de infecção. Vamos clarear seu papel respondendo as seguintes questões:
- O que faz um Centro de Material e Esterilização (CME) em um serviço de saúde e qual sua responsabilidade na segurança do paciente?
- Quais são as principais determinações legais e normas que um CME deve seguir?
- Como os produtos para a saúde são classificados de acordo com o risco de infecção?
- Quais são os principias métodos de esterilização utilizados em CME?
- Como eu classifico os produtos de saúde com a finalidade de definir a qual processo de esterilização ele deve ser submetido?
- O que diferencia um produto de uso único de um descartável?
- Qual a importância e como posso fazer a limpeza prévia dos produtos para saúde?
- Quais são as principais etapas da esterilização por autoclave?
- Como eu devo determinar o prazo de esterilidade de um produto para saúde?
- Quais são os principais métodos de desinfecção empregados em uma CME?
- Quais são os principais indicadores que posso implementar no CME?
- O que é um comitê de reprocessamento e quem deve participar?
O que faz um Centro de Material e Esterilização (CME) em um serviço de saúde e qual sua responsabilidade na segurança do paciente?
Dentro do contexto do Controle de Infecção relacionado à Assistência à Saúde, a descontaminação adequada de qualquer produto para saúde, após cada uso, é um dos indiscutíveis pilares que agrega a segurança do paciente. Nem todos os materiais precisam ser processados pelo CME, porém os críticos sim por exigirem limpeza e esterilização e somente no CME há possibilidade de métodos e técnicas de esterilização. Segundo a RDC Anvisa 15/2012, o CME é unidade funcional localizada nos serviços de saúde destinada ao processamento de produtos da saúde por meio de um conjunto de ações relacionadas à pré-limpeza, recepção, limpeza, secagem, avaliação da limpeza, da integridade e da funcionalidade, desinfecção (para produtos semicríticos) ou preparo e esterilização (para produtos críticos), armazenamento e distribuição para as unidades consumidoras, sendo a Unidade de Centro Cirúrgico o seu maior cliente. A missão do CME é transformar produtos sujos e contaminados passíveis de processamento em limpos desinfetados/esterilizados – equivalentes a um novo – para a segurança do paciente no controle de infecção cruzada intermediada por dispositivos utilizados na saúde.
Quais são as principais determinações legais e normas que um CME deve seguir?
R2: A determinação legal principal que o CME deve seguir é a RESOLUÇÃO – RDC No- 15, DE 15 DE MARÇO DE 2012 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa – que dispõe sobre requisitos de boas práticas para o processamento de produtos para saúde e dá outras providências.
Como os produtos para a saúde são classificados de acordo com o risco de infecção?
R3: Considerando que é impossível e desnecessária aplicar o rigor máximo de descontaminação de TODOS os PPS após a sua utilização, o microbiologista Spaulding, em 1968, propôs uma classificação que é referência até os dias atuais, embora tenham desdobramentos.
A classificação consiste em:
Não críticos: Produtos que entram em contato com a pele íntegra ou não entram em contato com o paciente. Exemplo: aparelho para mensuração da pressão arterial, estetoscópio, utensílios para atender as necessidades fisiológicas e de higiene do paciente acamado, dentre outros;
Semicríticos: Produtos que entram em contato com a pele não íntegra ou com mucosas íntegras colonizadas e restrito a elas. Exemplo: materiais de inaloterapia, de assistência ventilatória e de anestesia, endoscópios flexíveis digestivos e respiratórios, dentre outros;
Críticos: Produtos utilizados em procedimentos invasivos com penetração de pele e mucosas adjacentes, tecidos subepiteliais, e sistema vascular e outros espaços não colonizados por microrganismos. Exemplo: materiais cirúrgicos em geral.
Quais são os principias métodos de esterilização utilizados em CME?
Para materiais termorresistentes, o método indicado é o vapor saturado sob pressão por meio do equipamento autoclave e para aqueles termossensíveis os métodos indicados são aqueles automatizados físico-químicos por meio de óxido de etileno, vapor a baixa temperatura e formaldeído e vapor de peróxido de hidrogênio, com ou sem a fase de plasma.
Como eu classifico os produtos de saúde com a finalidade de definir a qual processo de esterilização ele deve ser submetido?
Primeiramente é verificar se é termorresistente ou termossensível. Caso seja da categoria termossensível e de constituição complexa com presença de espaços internos, incluindo lúmens, a difusibilidade do agente esterilizante é um outro critério crucial. Em ordem hierárquica, do mais difusível para menos difusível, tem-se: óxido de etileno > vapor a baixa temperatura e formaldeído > vapor de peróxido de hidrogênio, com ou sem plasma.
O que diferencia um produto de uso único de um descartável?
Embora várias publicações, incluindo aquelas oficiais da Anvisa, considere os termos uso único e descartável como sinônimos, pode-se imputar diferenças de que um produto descartável nem sempre é de uso único como aventais utilizados para limpeza de material. O funcionário pode vestir e desvestir algumas vezes durante a sua jornada de trabalho, mas é descartado sem tentativa de processar. Conceitualmente, segundo RDC Anvisa 185/2001, produto para saúde de uso único é qualquer produto destinado a ser usado na prevenção, diagnóstico, terapia, reabilitação ou anticoncepção, utilizável somente uma vez, segundo especificado pelo fabricante. Outra definição ministerial diz que o produto é classificado como de uso único quando o dispositivo que, após a sua utilização, perde as características originais ou que, em função de outros riscos reais ou potenciais à saúde do usuário não deve ser reutilizado.
Qual a importância e como posso fazer a limpeza prévia dos produtos para saúde?
A limpeza é hoje inquestionavelmente considerada a etapa mais importante do processamento do produto para saúde. Alguns alertas são atualmente reconhecidos consensualmente como princípios de segurança: “Para materiais identificados como impossíveis de se garantir a limpeza completa, NÃO se pode assegurar a esterilização nem desinfecção!” Como exemplos principais, tem-se as cânulas de lipoaspiração, pinças de robótica, fresas ortopédicas flexíveis, cânulas de hidro dissecção da oftalmologia, canal elevador do duodenoscópio. “LIMPEZA! Contra falhas na limpeza não há argumentos: elas são culpabilizadas por surtos infecciosos”. “Não esperar que novos métodos de esterilização contornem as antigas falhas na limpeza, seja manual ou automatizada”.
Iniciar o processo de limpeza quanto antes é mandatória! Em uma pesquisa foi demonstrada que a aderência bacteriana, acontece depois de uma, duas, quatro, seis, oito e 12 horas da contaminação intencional por imersão de pinças do tipo crile reta em Triptical Soya Broth (TSB), contendo 106 UFC/mL de uma amostra clínica de S. epidermidis. Os resultados foram avaliados por meio de cultura microbiológica e pela microscopia eletrônica de varredura (MEV). Verificou-se aderência bacteriana, depois de uma hora, com a formação de biofilme após duas horas e, em geral, um aumento na concentração de microrganismos nos tempos subsequentes (Evangelista et al, 2019).
Em relação à pré-limpeza, primeiramente, há que se partir da definição deste procedimento que segundo a RDC Anvisa 15/2012 é: ” XIV – pré-limpeza: remoção da sujidade visível presente nos produtos para saúde”. Se a instrumentadora cirúrgica tiver incorporada as boas práticas de instrumentação passando uma compressinha úmida com água destilada em cada instrumental a ser recolocado na mesa cirúrgica após o uso e realizar um flush com água destilada em materiais com lúmen, o material chega ao CME atendendo ao critério de pré-limpeza. Na limpeza automatizada por jato sob pressão, já existe programável no ciclo, a fase de pré limpeza. Na ultrassônica, o tempo que o material fica imerso na cuba ultrassônica permite umectação da sujidade eventualmente ressecada para ter sucesso na limpeza satisfatória no final do ciclo. Na limpeza manual, a imersão do material em solução detergente por alguns minutos antes de efetivamente iniciar a fricção de todas as superfícies (interna e externa) faz a umectação da sujidade que possibilita a limpeza almejada. As condições de pré-limpeza, bem como a presença de áreas de difícil acesso, como cremalheira e serrilha, são fatores críticos à qualidade do processamento de instrumentais cirúrgicos. Sujidade umecta-se, mas biofilmes pode nunca mais ser removido!
Quais são as principais etapas da esterilização por autoclave?
R8: O ciclo de esterilização compreende 3 etapas básicas: condicionamento (remoção do ar e aquecimento dos PPS), esterilização propriamente dita e por fim a secagem conforme ilustrado na Figura. Na fase de condicionamento, além do vácuo inicial que remove o ar presente na câmara interna da autoclave e de dentro dos materiais da carga, repetidas entradas de vapor seguidas de vácuo produzem o aquecimento e evaporação da água condensada nos PPS, de modo que em poucos minutos de rampa de aquecimento a temperatura pré-programada para esterilização é alcançada.
Como eu devo determinar o prazo de esterilidade de um produto para saúde?
A contaminação de um Produto para Saúde (PPS) esterilizado não está vinculada ao tempo transcorrido da data de esterilização, mas sim às condições de transporte, armazenamento e integridade da embalagem. Este paradigma é conhecido como “Esterilidade relacionada a Eventos e não a data/temp” (Jevett, 1984). A partir desta tomada de consciência, as instituições passaram a arbitrar o prazo de validade dos produtos esterilizado como padrão da instituição e colocando o foco no rigor da aquisição de embalagens (resistentes a rasgos e puncturas com propriedades de barreira microbiana) e de selagem hermética que atendam a norma ISO 11607 (seladoras qualificadas que controlem a pressão, temperatura e tempo). Em outras palavras, os PPS permanecem esterilizados indefinidamente, a menos que a integridade da embalagem seja comprometida. Este novo paradigma de “esterilidade relacionado a Eventos” e não ao tempo relógio” foi adotado pelas principais e recentes diretrizes – internacionais e nacionais – que ditam as boas práticas de processamento de PPS como Association for the Advancement of Medical Instrumentation (AAMI), 2017; Association of Perioperative Registered Nurses (AORN), 2017; Sociedade Brasileira de Enfermeiros de CentroCirúrgico, Recuperação Anestésica e Centro de Material de Esterilização (Sobecc), 2021. Também a Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations (JCAHO) adotou esse paradigma recomendando que as instituições tenham políticas escritas a respeito da vida útil dos PPS processados. No Brasil, tal conceito foi regulamentado a partir de 2012 com a publicação da RDC nº 15, de 15 de março de 2012, na qual se define data limite de uso do produto esterilizado como: prazo estabelecido em cada instituição, baseado em um plano de avaliação da integridade das embalagens, fundamentado na resistência das embalagens, eventos relacionados ao seu manuseio (estocagem em gavetas, empilhamento de pacotes, dobras das embalagens), condições de umidade e temperatura, segurança da selagem e rotatividade do estoque armazenado (Brasil, 2012, seção III, Art. 4º VII).
Quais são os principais métodos de desinfecção empregados em uma CME?
Método Físico (termodesifetadora e pasteurizador) e químico (método manual e automatizada, este último para os endoscópios flexíveis). O método químico manual deve ser a última opção, pois envolve múltiplas etapas para garantir o sucesso da desinfecção, além de risco ocupacional para os funcionários pela inalação de vapores tóxicos dos desinfetantes químicos que volatilizam e prejuízos ao paciente quando a remoção do agente química não é completa. O método de desinfecção indicado para PPS para fins de inaloterapia, assistência ventilatória e anestesia é a termodesinfecção que é um método automatizado com etapa de limpeza incorporada no ciclo. Dos produtos semicríticos os endoscópios flexíveis dependem exclusivamente de desinfecção química de alto nível, devendo preferencialmente ser executada por método automatizada.
Quais são os principais indicadores que posso implementar no CME?
Devem ser implementados os Indicadores relacionados a estrutura, processo de trabalho e resultado para cada uma das áreas de atividades do processamento. Estes foram recentemente publicados em Graziano, KU. Indicadores de qualidade no CME. In: GRAZIANO, Kazuko Uchikawa; PSALTIKIDIS, Eliane Molina (Org.). Limpeza, desinfecção e esterilização de produtos para saúde. 4. ed. São Paulo: APECIH, 2021. Cap 10, p. 349 – 376. A CCIH cursos lançou recentemente um curso express sob o assunto.
O que é um comitê de reprocessamento e quem deve participar?
É um comitê, cuja existência está recomendado pelo artigo 8º da RDC Anvisa 15/2012, composto minimamente, por um representante da diretoria do serviço de saúde; responsável pelo CME; do serviço de enfermagem; da equipe médica e da CCIH (Comissão de Controle de Infecção Hospitalar), tendo como atribuições:
I – Definir os produtos para saúde a serem processados no CME ou que devem ser encaminhados a serviços terceirizados contratados;
II – Participar da especificação para a aquisição de produtos para saúde, equipamentos e insumos a serem utilizados no processamento de produtos para saúde;
III – Participar da especificação para a aquisição de produtos para saúde a serem processados pelo CME;
IV – Estabelecer critérios de avaliação das empresas processadoras terceirizadas, para a contratação desses serviços e proceder a sua avaliação sempre que julgar necessário;
V – Analisar e aprovar os indicadores para o controle de qualidade do processamento dos produtos propostos pelo responsável pelo CME;
VI – Manter registros das reuniões realizadas e decisões tomadas.
Embora esta determinação legal seja para os serviços de saúde que realize mais de quinhentas cirurgias/mês, excluindo partos, é desejável que todo CME trabalhe em parceria com um CPPS formalmente constituído.
Elaborado por: Kazuko Uchikawa Graziano
Contato: [email protected]
Links relacionados:
https://www.ccih.med.br/inscreva-se/cme.php
https://www.ccih.med.br/primeiros-passos-em-cme/
https://www.ccih.med.br/a-atuacao-do-enfermeiro-no-central-de-material-e-esterilizacao/
Palavras chave / TAGs: centro de material e esterilização, esterilização, desinfecção, produtos para saúde, controle de infecção, descontaminação, segurança do paciente, limpeza, RDC 15/2012, ANVISA, dispositivos, boas práticas, Spaulding, não críticos, semicríticos, críticos, termorresistentes, termosenssíveis, óxido de etileno, autoclave, formoldeído, peróxido de hidrogênio, difusibilidade, descartável, uso único, RDC 185/2001, cânulas de lipoaspiração, pinças de robótica, fresas ortopédicas, cânulas de hidro dissecção, surtos, aderência bacteriano, cultura microbiológica, microscopia eletrônica de varredura, biofilme, pré-limpeza, água destilada, limpeza automatizada, limpadora ultrassônica, ciclo de esterilização, condicionamento, vácuo inicial, água condensada, embalagem, integridade, esterilidade relacionada a eventos, termodesinfetadora, pasteurizador, endiscópios flexíveis, indicadores