Afinal, clorexidina oral mata ou previne PAV? Pretendo aprofundar a análise da aparente discrepância entre a metanálise do Cochrane e o guia da SHEA, que parecem chegar a conclusões distintas sobre a indicação de clorexidina na prevenção de PAV, uma das recomendações do bundles de prevenção desta infecção.
Fiz uma avaliação detalhada sobre o uso de clorexidina oral na prevenção da pneumonia, utilizando os princípios da Medicina Baseada em Evidências. Analisei o nível de evidência, a qualidade metodológica e as potenciais limitações de cada fonte. Aqui destaquei o principal estudo primário que contraindica seu uso e as duas revisões que trazem as recomendações conflitantes, todos apresentados como material anexo. Como os demais documentos citados, eles podem ser acessados clicando em seu link no artigo ou final do texto. Além disso, farei uma comparação crítica entre os achados e emitirei recomendações clínicas baseadas na melhor evidência disponível e finalmente como um estudo poderia definir essa controvérsia importante.
1. Tipo de estudo de cada fonte:
O primeiro artigo é uma revisão sistemática com metanálise (Cochrane, 2020) que agregou diversos ensaios clínicos randomizados (ECRs) sobre higiene oral em pacientes críticos (1). O segundo artigo (Deschepper et al., 2018) é um estudo observacional de coorte retrospectivo de centro único, avaliando a associação entre clorexidina oral e mortalidade hospitalar em uma grande população de internados (2). O terceiro material inclui recomendações de um guideline recente (SHEA/IDSA 2022) (3) – um consenso de especialistas baseado em evidências atuais – além de uma apresentação didática resumindo esses achados (não se trata de pesquisa original, mas de síntese de evidências).
2. Avaliação metodológica:
A revisão Cochrane (2020) seguiu metodologia robusta (busca abrangente em múltiplas bases até 2020, inclusão apenas de ECRs) (1). Entretanto, identificou problemas nos estudos incluídos: muitos ECRs tinham risco de viés alto, principalmente pela falta de cegamento e ocultação inadequada da alocação – dos 36 ECRs avaliados, apenas 2 apresentavam baixo risco de viés, enquanto a maioria foi julgada com viés elevado ou incerto (1) Essa falta de cegamento é crítica, pois o desfecho “pneumonia associada à ventilação” (PAV) pode ser subjetivo e influenciado pelo conhecimento do grupo (viés de desempenho e detecção). Além disso, houve heterogeneidade moderada nos resultados (p.ex., I² ~66% nos desfechos de PAV (1), sugerindo diferenças entre os estudos (populações, protocolos de higiene oral, concentrações de clorexidina, critérios de diagnóstico de pneumonia).
No estudo observacional de 2018, sendo retrospectivo, não há randomização – portanto, há risco de viés de confusão: pacientes que receberam clorexidina poderiam diferir sistematicamente (em gravidade, indicação ou cuidados) dos que não receberam. Os autores tentaram ajustar para fatores de confusão (demografia, diagnóstico, e estratificaram por risco de mortalidade basal) usando regressão logística multivariada (2). Ainda assim, viés residual pode permanecer, já que nem todos os fatores (como gravidade não capturada, diferenças nos cuidados bucais de base) podem ser completamente ajustados. Ademais, o estudo é de centro único e observacional, limitando a generalização e implicando um nível de evidência inferior ao dos ECRs.
O guideline de 2022 baseou-se em revisão da literatura recente (incluindo os estudos acima e outros metanálises). Porém não fica claro a forma como os artigos foram pesquisados e classificados de acordo com seu grau de evidência, apresentando, portanto, risco de viés importante. As recomendações usam o sistema GRADE: por exemplo, classificaram a evidência para higiene oral com clorexidina como de qualidade moderada (3). Como diretriz, sua metodologia envolve consenso de especialistas e avaliação crítica de estudos prévios; não produz novos dados, mas pesa riscos e benefícios com transparência. Uma limitação é depender da qualidade dos estudos disponíveis – se a evidência primária é fraca ou heterogênea, a confiança na recomendação também fica limitada.
3. Nível de evidência e força da recomendação:
A revisão Cochrane representa nível de evidência 1a (Oxford) – o mais alto, por ser síntese de múltiplos ECRs – porém a certeza da evidência foi julgada moderada para PAV (reduzida pela inconsistência e viés dos estudos) (1) e moderada a baixa para outros desfechos (mortalidade, tempo de ventilação). Os ECRs incluídos individualmente seriam nível 1b, mas com limitações metodológicas. O estudo de coorte observacional equivale a nível 2b-3 de evidência (não-randomizado); achados observacionais geram hipóteses mas não estabelecem causa-efeito com o mesmo rigor. Já o guideline (3) oferece recomendações fortes ou fracas conforme a qualidade da evidência e balanço risco-benefício, mas avaliado de forma subjetiva, pois não foi explicitado. Nele, a recomendação relacionada à clorexidina foi contrária ao uso rotineiro, sustentada por evidência de qualidade moderada e preocupações de segurança (3). Segundo o guia, a força da recomendação atual é “não utilizar de rotina”, refletindo uma recomendação forte contra o uso universal de clorexidina oral em pacientes sob VM, dada a falta de benefício clínico comprovado e potencial dano.
4. Principais achados de cada fonte:
A revisão Cochrane (2020) encontrou que a higiene oral com clorexidina (solução ou gel, geralmente 0,12% a 2%) em pacientes críticos sob ventilação reduz a incidência de PAV em comparação a placebo/cuidados usuais. A taxa de PAV nos grupos controle foi ~26%, versus ~18% com clorexidina (redução absoluta ~8%) (1). Essa diferença foi estatisticamente significativa (RR ≈ 0,67; IC95% 0,47–0,97) e corresponde a um NNT (número necessário tratar para evitar um caso de PAV) de aproximadamente 12 pacientes (1). Entretanto, crucialmente não houve redução de mortalidade com o uso de clorexidina (RR 1,03; IC95% 0,80–1,33; p=0,86) (1), nem diminuição na duração da ventilação mecânica ou tempo de UTI (evidência de baixa/muita baixa certeza para esses desfechos) (1). Ou seja, apesar de menos pneumonias diagnosticadas, os desfechos “duros” (morte, tempo de ventilação/UTI) não melhoraram com a intervenção. A maioria dos ECRs não relatou eventos adversos; em um estudo, efeitos colaterais leves (irritação oral, etc.) foram similares entre grupos (1). Assim, do ponto de vista do Cochrane, a clorexidina pode prevenir PAV em alguns casos, mas sem impacto comprovado na sobrevida ou recuperação, que não deixa de ser aparentemente contraditório, pois PAV é uma importante causa hospitalar de óbito e sua redução deveria impactar nesses índices, o que não foi observado.
O estudo observacional de Deschepper et al. trouxe um alerta sobre possíveis danos. Analisando >82 mil internações gerais (incluindo pacientes de enfermaria e UTI, ventilados e não ventilados), observaram que a exposição à clorexidina oral esteve associada a maior mortalidade hospitalar global. Pacientes que receberam clorexidina apresentaram risco de óbito ajustado ~2,6 vezes maior (OR 2,61; IC95% 2,32–2,92) do que pacientes que não receberam (2). Esse efeito foi mais pronunciado em pacientes de menor gravidade basal (OR até 5,5 em subgrupo de risco inicial baixo/moderado) (2). Importante: não foi observado efeito deletério nos pacientes em UTI sob ventilação mecânica – isto é, em pacientes críticos ventilados (o público-alvo clássico para PAV), a clorexidina não se associou a aumento significativo de mortalidade (2). Já nos pacientes fora de UTI e não ventilados (uso “indiscriminado” da clorexidina, por exemplo para higiene oral geral no hospital), viu-se o aumento de mortalidade. Calculou-se um NNH (número necessário para causar um óbito adicional) de ~47 pacientes expostos (2). Em outras palavras, para cada ~47 pacientes expostos à clorexidina oral sem indicação clara, 1 morte a mais ocorreria associada. Os autores concluíram que, na ausência de benefício comprovado, o uso disseminado de clorexidina pode ser prejudicial e não deve ser indiscriminado (2). Essa associação observacional sugere que a clorexidina possivelmente contribua para eventos adversos (aspiração química, disbiose oral/pulmonar facilitando infecção, etc.), especialmente em pacientes de menor risco que talvez não tivessem indicação robusta para usá-la. Porém o autor relata que estudos mais robustos devem ser realizados para identificar a explicação fisiopatológica deste desfecho.
O guideline internacional (Klompas et al., 2022) revisou essas evidências e mudou a recomendação prática em relação a guias anteriores. Ele reconhece que estudos mostraram redução de incidência de PAV com clorexidina, porém apenas nos estudos não-cegos; quando se analisa somente ECRs de boa qualidade metodológica (duplo-cegos), a vantagem desaparece (3). O documento ressalta que a clorexidina não demonstrou impacto em duração da VM ou permanência na UTI ((3), corroborando a falta de benefício clínico importante. Ademais, destaca que algumas metanálises e estudos observacionais sinalizaram aumento de mortalidade associado à clorexidina oral (3) – embora haja incerteza (outros reviews não acharam diferença significativa de mortalidade e um grande ECR cluster recente – o estudo CHORAL, 2021 – não observou aumento de mortes ao retirar a clorexidina) (3). Diante desse balanço, os especialistas concluíram que a clorexidina não traz benefício claro e pode acarretar risco, de modo que não recomendam seu uso rotineiro para prevenir PAV (3). Ao invés disso, recomendam manter cuidados básicos de higiene oral (escovação dental diária, aspiração de secreções) como prática essencial, sem antisséptico, pois a própria escovação mostrou associação com menos PAV e estadas menores (embora evidência de baixa-moderada qualidade) (3).
5. Comparação crítica e convergências/discrepâncias:
Em conjunto, os estudos pintam um quadro complexo. A revisão sistemática (Cochrane) indica um benefício na redução de PAV com clorexidina – um desfecho importante, já que PAV está associado a morbimortalidade. No entanto, tanto a Cochrane quanto o meta-análise de Klompas 2014 sugerem que esse benefício pode estar restrito a certos contextos. Por exemplo, Klompas et al. notaram redução significativa de infecções pulmonares em pacientes pós-cirurgia cardíaca submetidos à clorexidina (RR ~0,56), mas nenhum benefício em pacientes de UTI não-cirúrgicos quando analisados apenas estudos cegos (RR ~0,88, não significativo) (Reappraisal of routine oral care with chlorhexidine gluconate for patients receiving mechanical ventilation: systematic review and meta-analysis – PubMed). Ou seja, a eficácia pode se manifestar em subgrupos de baixo risco de aspiração (cirurgias eletivas de curto prazo) e não se replicar em doentes críticos gerais. Todos os trabalhos concordam que não há evidência de melhora na mortalidade com a clorexidina oral (1). A divergência principal está em relação à segurança: a Cochrane não encontrou sinal de dano nos ECRs (mas muitos não relataram eventos adversos), ao passo que os estudos observacionais e algumas metanálises sugerem potencial prejuízo (aumento de mortalidade). Essa discrepância pode dever-se a diferenças de população – os ECRs focaram em pacientes sob VM (muitas vezes por períodos curtos, alguns em contexto cirúrgico), enquanto o estudo de Deschepper incluiu pacientes não ventilados de enfermaria usando bochechos de clorexidina sem benefício definido, onde o risco de aspiração acidental do antisséptico ou desequilíbrio da flora poderia superar qualquer ganho, já que nesses casos, o risco de pneumonia é bem menor, não justificando o emprego rotineiro de clorexidina. Também há diferenças de desfechos medidos: os ECRs avaliaram sobretudo incidência de pneumonia no período de ventilação, enquanto o estudo de coorte mediu mortalidade hospitalar global. Uma grande falha deste estudo é que não é apresentada a causa de óbito nestes pacientes, o que seria essencial num estudo que debate mortalidade. É possível que a clorexidina reduza eventos de PAV (especialmente diagnósticos clínicos de pneumonia), mas não melhore – ou até piore – os resultados finais do paciente, uma vez que evitar PAV clinicamente pode não se traduzir em salvar vidas se outras complicações ocorrerem (por exemplo, microaspiração de clorexidina causando lesão pulmonar), o que é apenas sugerido como hipótese, mas não confirmado no estudo. Os pontos de convergência entre as fontes são: (a) a falta de benefício em mortalidade e (b) a percepção de que evidências de baixa qualidade inflaram o otimismo inicial sobre clorexidina (estudos abertos tendendo a achar redução de PAV, enquanto os mais rigorosos não confirmam tanto). Em suma, há um consenso emergente de que a redução de PAV por clorexidina, se real, não resulta em melhoria significativa de desfechos clínicos relevantes em relação a duração da ventilação mecânica ou óbito do paciente, levando a comunidade a reavaliar seu papel.
6. Potenciais vieses e limitações:
A revisão Cochrane, embora metodologicamente sólida, está limitada pela qualidade dos estudos disponíveis. O alto risco de viés em muitos ECRs (principalmente falta de cegamento) significa que os resultados de PAV podem estar superestimados – diagnósticos de pneumonia podem ser subjetivos e ter sido influenciados pelo conhecimento de que o paciente recebeu um antisséptico (investigadores mais atentos a sinais de pneumonia no grupo controle, por exemplo). A heterogeneidade (I² 66%) também indica que nem todos os estudos concordam – possivelmente devido a diferenças de concentração de clorexidina (0,12% vs 2%), frequência de aplicação, uso concomitante ou não de escovação, e critérios de definição de PAV. Além disso, viés de publicação não pode ser excluído: estudos que não mostraram redução de pneumonia podem ter menos chance de publicação no passado, embora o Cochrane tenha buscado literatura cinzenta. No caso do estudo observacional, apesar dos ajustes estatísticos, sempre existe a possibilidade de confundimento residual – por exemplo, pacientes que receberam clorexidina poderiam ter pior higiene oral basal ou outros fatores de risco não medidos para mortalidade. A associação observada não prova causalidade; embora seja plausível biologicamente que a clorexidina possa contribuir para pneumonia química ou seleção de patógenos mais virulentos, não se pode descartar completamente que pacientes mais graves ou suscetíveis tenham sido aqueles tratados com clorexidina, enviesando a mortalidade para cima. Também, sendo de um único hospital, os resultados podem não se aplicar a outros contextos (outros sistemas de saúde, diferentes protocolos). Já o guideline, foi apenas um consenso de especialistas, pois não deixou claro a forma como as referências utilizadas foram pesqueisadas e selecionadas, mas vale destacar que as recomendações podem variar conforme novos dados surjam – por exemplo, se futuramente um ECR grande controlado mostrar benefício claro em um subgrupo, as diretrizes se atualizariam. As limitações das diretrizes são as mesmas das evidências subjacentes e da opinião de especialistas: mesmo usando GRADE, há julgamentos subjetivos na interpretação do quanto um risco potencial (mortalidade) pesa em relação a um benefício (redução de PAV).
7. Conclusão fundamentada:
Considerando todas as fontes, a evidência mais atual e confiável questiona o uso rotineiro de clorexidina oral para prevenir pneumonia associada à VM na UTI geral. Embora haja evidência de nível 1 de que a clorexidina pode reduzir a taxa de PAV em alguns contextos, essa vantagem vem principalmente de estudos com limitações, e não se traduz em melhora de sobrevida ou recuperação (1). Ao mesmo tempo, existem sinais preocupantes de possível dano – principalmente um aumento de mortalidade em pacientes fora de contextos altamente controlados (2). Portanto, prevalece uma evidência de que os riscos podem superar os benefícios, especialmente quando medidas mecânicas de higiene podem alcançar benefício similar sem os potenciais efeitos adversos. Não se recomenda a clorexidina de forma rotineira para todos os pacientes ventilados. Poderia-se cogitar restrição a subgrupos específicos, mas mesmo isso é controverso: por exemplo, pacientes de cirurgia cardíaca de curto prazo tiveram menos pneumonias com clorexidina em alguns estudos (Reappraisal of routine oral care with chlorhexidine gluconate for patients receiving mechanical ventilation: systematic review and meta-analysis – PubMed), mas sem impacto em outros desfechos e com possibilidade de alternativas (nessa população, a ventilação costuma ser breve e outras medidas preventivas podem bastar). Assim, alguns especialistas argumentam que, se houver um subgrupo onde a clorexidina ainda seria útil, seria nesses pós-operatórios imediatos de cirurgia cardíaca ou talvez em UTI com baixíssima prevalência de bactérias multirresistentes onde a descontaminação oral seja parte de um pacote (a exemplo da “decontaminação seletiva” em estudos europeus). Porém, mesmo nesses casos, a recomendação atual é cautelosa. De fato, o estudo CHORAL (2021) removeu a clorexidina dos protocolos em UTI e não observou piora nas taxas de PAV ou mortalidade, sugerindo que sua ausência não prejudica e pode evitar riscos (3). Em suma, a balança risco-benefício pende contra o uso universal de clorexidina.
Quanto à pesquisa futura, seria valioso realizar ensaios clínicos randomizados adicionais, bem controlados e em larga escala, para confirmar esses achados e fechar lacunas. Por exemplo, estudos focalizados em subgrupos específicos (como pós-operatório imediato de grande porte) poderiam esclarecer se há algum cenário em que os benefícios superam os riscos. Também pesquisas mecanísticas poderiam elucidar porque a clorexidina poderia aumentar mortalidade (investigando aspiração micro e macro, alterações na microbiota oral e pulmonar, resistência, inflamação pulmonar). Novos antissépticos orais ou abordagens (probióticos, iodopovidona, etc.) também estão sendo estudados como alternativas, mas igualmente precisam de evidências de segurança e eficácia.
8. Recomendações clínicas:
Diante dessa análise, a orientação prática baseada em evidências é manter cuidados de higiene oral rigorosos em pacientes intubados, porém sem uso rotineiro de clorexidina. Isso significa implementar protocolos de higiene bucal com escovação dos dentes ou limpeza cuidadosa da cavidade oral e aspiração frequente de secreções subglóticas, medidas que têm baixo risco e alguma eficácia na redução de colonização aspirativa. A clorexidina oral deve ser reservada, se usada, a situações específicas onde haja forte justificativa – por exemplo, se um protocolo institucional definir seu uso em um subgrupo com evidência a favor. Em pacientes clínicos gerais de UTI, não há indicação de rotina; e em pacientes não ventilados ou fora da UTI, o uso profilático de clorexidina deve ser desencorajado dado potencial risco e falta de benefício estabelecido. Em resumo, a prática atual é priorizar medidas básicas (por exemplo, cabeceira elevada, interrupção diária da sedação, alimentação enteral precoce, higiene oral mecânica) para prevenir pneumonia, e não incluir clorexidina automaticamente no bundle de PAV. Essa recomendação deve ser comunicada à equipe multidisciplinar de UTI, atualizando protocolos conforme as diretrizes recentes. Assim, protege-se o paciente de uma intervenção de benefício duvidoso e potencialmente prejudicial, alinhando os cuidados à melhor evidência disponível. (3)
9. Como esta questão poderá ser resolvida definitivamente?
Como foi apresentado neste artigo, todos os 3 estudos anexados apresentam falhas importantes que podem comprometer seu resultado em dar uma resposta definitiva a esta questão. Temos uma metanálise que fez revisão sistemática bem feita, honesta em suas conclusões, mas não conseguiu explicar porque a queda de PAV não repercutiu na duração de ventilação mecânica e nem na mortalidade. Um estudo primário sobre mortalidade, que se limita a fazer elocubrações estatísticas a respeito de uma possível relação entre clorexidina e óbito, sem avaliar a causa de óbito dos pacientes estudados e muito menos explicar, além de elocubrações teóricas, porque a clorexidina aumentaria este risco. Parece incrível, mas é verdade. Para piorar a situação, entidades conceituadas fazem uma revisão que, por não ser sistemática, é altamente sujeita a viés em suas conclusões, que hipervaloriza o estudo primário anterior, sem qualquer questionamento de sua metodologia. E no meio dessa polêmica estamos nós, integrantes da CCIH, que padronizam condutas ou colegas que prescrevem como prevenir e tratar os pacientes desta importante e letal complicação.
O estudo ideal seria um ensaio clínico triplo cego, no qual os cuidados orais fossem padronizados nos dois braços do estudo, que deveriam ser equivalentes em relação a outros fatores de risco para pneumonia ou mortalidade. Este cegamento deveria ser garantido utilizando-se um placebo, o clínico e o pesquisadores não saberem se o doente recebeu a clorexidina ou não, estudando os pacientes e seus grupos de forma indistinta, que poderia ser influenciada por sua preferência. Os resultados deveriam ser avaliados em relação a sua significância estatística e de preferência multicêntrico. Os óbitos, que eventualmente ocorressem, deveriam ser estudados para identificação de sua causa, com especial atenção às possíveis complicações aventadas que possam estar relacionadas ao uso de clorexidina oral.
Enquanto este estudo dos nossos sonhos não é realizado, as condutas serão tomadas a partir de preferências individuais, da avaliação risco-benefício de cada caso e principalmente na opinião da equipe assistencial e da posição adotada pela CCIH, infelizmente ainda sem uma evidência robusta sobre esta polêmica conduta profilática.
10. Estudos anexados:
(1) Oral hygiene care for critically ill patients to prevent ventilator‐associated pneumonia – Zhao, T – 2020 _ Cochrane Library.pdf: https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD008367.pub4/epdf/full
(2) Effects of chlorhexidine gluconate oral care on hospital mortality: a hospital‑wide, observational cohort study: https://doi.org/10.1007/s00134-018-5171-3
(3) Strategies to prevent ventilator-associated pneumonia, ventilator-associated events, and nonventilator hospital-acquired pneumonia in acute-care hospitals: 2022 Update: https://doi.org/10.1017/ice.2022.88
11: Links relacionados:
Clorexidina: de solução a dor de cabeça? https://www.ccih.med.br/clorexidina-de-solucao-a-dor-de-cabeca/
Estratégias recomendadas pela SHEA (2022) para prevenção de pneumonia associada à ventilação e eventos associados à ventilação: https://www.ccih.med.br/estrategias-recomendadas-pela-shea-2022-para-prevencao-de-pneumonia-associada-a-ventilacao-e-eventos-associados-a-ventilacao/
Prevenção de PAV: https://www.ccih.med.br/prevencao-de-pav/
Bundles e prevenção de IRAS Parte 2: https://www.ccih.med.br/bundles-e-prevencao-de-iras-parte-2/
Prevenção de pneumonia hospitalar: guia SHEA 2022. Parte 10: https://www.ccih.med.br/prevencao-de-pneumonia-hospitalar-guia-shea-2022-parte-10/
12. Autor:
Antonio Tadeu Fernandes:
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