Como reduzir a contaminação dos celulares dos profissionais de saúde?
Quantas vezes os celulares são tocados durante e entre cuidados clínicos? Os celulares têm se tornado cada vez mais presentes da prestação de cuidados de saúde de alta qualidade de modo a facilitar a comunicação, o acesso a informações e outros benefícios no fluxo de trabalho dos profissionais de saúde. O uso desses equipamentos, contudo, aumenta o risco de transmissão de infecções nosocomiais. Esse estudo avalia a eficácia de uma rotina sustentável de desinfecção para celulares de enfermeiras de cuidados intensivos.
O que já se sabe sobre a contaminação dos celulares?
A literatura científica já documentou amplamente a contaminação microbiológica dos telefones celulares, uma realidade que diz respeito a todos os usuários – inclusive funcionários de hospitais e profissionais da saúde. Apesar de muitos dos microrganismos identificados nesses aparelhos serem parte da flora normal da pele, esses microrganismos no contexto hospitalar e de cuidados intensivos podem ser responsáveis por infecções relacionadas a assistência à saúde (IRAS). Dessa forma, uma preocupação cada vez maior tem sido criar estratégias para evitar que esses aparelhos sirvam como vetores de IRAS.
Objetivo da pesquisa e como foi avaliada a contaminação
Levando em consideração que a desinfecção rotineira de celulares, em conjunto com práticas adequadas de higiene das mãos, pode reduzir sinergicamente o risco de transmissão de microrganismos causadores de IRAS, esse estudo visou testar a eficácia a longo prazo de uma intervenção de redução de carga biológica para celulares de enfermeiras atuantes em unidade de terapia intensiva (UTI). Os autores analisaram os telefones de enfermeiros já que esses profissionais normalmente são os membros da equipe de saúde com contato direto mais frequente com o paciente.
Foi realizado um estudo quase-experimental em uma UTI cardiovascular de 20 leitos em um hospital acadêmico de atendimento terciário, entre agosto de 2019 e agosto de 2020. Foram incluídas amostras, selecionadas por conveniência e não identificadas, de 30 enfermeiros da equipe de plantão. Foram avaliadas amostras dos celulares individuais e dos telefones compartilhados pela unidade, que foram colhidas pré-intervenção e depois de 1, 3, 6 e 12 meses pós-intervenção.
A intervenção consistiu em uma intervenção multimodal visando a implementação de uma rotina de desinfecção dos celulares e consistiu em educação eletrônica, lembretes verbais e visuais, e distribuição estratégica de suprimentos para desinfecção. A estratégia aplicada foi baseada nas oportunidades para higiene das mãos (iniciativa da OMS) e incluiu desinfecção dos dois tipos de aparelho com lenços com quaternário de amônio (QAB) no início de cada turno, após o uso do banheiro e intervalos, e após contato com superfícies contaminadas. Além disso, os aparelhos compartilhados foram desinfectados no final de cada turno de 12 horas, de forma que ao início do próximo turno todos os telefones disponíveis haviam sido devidamente desinfetados.
Em cada um dos períodos do estudo foi coletadas 60 amostras, sendo 30 de celulares individuais e 30 de celulares compartilhados da unidade, totalizando 300 amostras. Foram utilizados swabs de bioluminescência de adenosina trifosfato (ATP), analisadas então por um luminômetro – um dispositivo de bioluminescência que detecta matéria orgânica residual como um indicador de limpeza de superfície, estimando a carga biológica da superfície e expressando-a em unidades relativas de luz (RLU). Para estabelecer valores de base foi realizada uma coleta pré-intervenção de telefones pessoais e da unidade sem notificação prévia (para evitar o efeito de Hawthorne).
A desinfecção de celulares é efetiva na sua descontaminação?
Essa intervenção demonstrou uma redução consistente e sustentada na biocarga da superfície dos celulares. Para os telefones pessoais foi observada uma diminuição da média geométrica de 497.1 para 63.36 RLU entre o período pré-intervenção e o último período de coleta. Já para os aparelhos compartilhados essa redução foi de 417.4 para 45.90 RLU nos 12 meses de estudo.
Os autores reforçam que rotinas para ambientes movimentados de atendimento ao paciente exigem eficácia e facilidade de implementação para otimizar a adesão e a sustentabilidade. Ressaltam ainda que o uso de uma rotina de desinfecção de celulares a partir de rotinas de higiene das mãos já existente e implementada pode facilitar a redução significativa de oportunidades de transmissão de infecções em ambientes de cuidados críticos. Eles atribuem os resultados obtidos nessa pesquisa a diversas características da intervenção, principalmente à educação da equipe e implementação de novas práticas com uso de recursos familiares que foram prontamente colocados à disposição.
Apesar da notável redução, é importante notar que o limite recomendado pelo fabricante do luminômetro para áreas de cuidados intensivo é de 10 RLU, de forma que as medianas encontradas ainda superaram notavelmente esse valor. Sendo assim, os autores enfatizam que os lenços QAB utilizados para desinfecção foram uma opção com bom custo-benefício para o contexto, porém existem outras modalidades que talvez possibilitem a redução até níveis aceitáveis.
Quais a principais limitações do estudo?
Os autores elucidam diversas limitações do estudo. Primeiro, esse foi um estudo realizado com amostra por conveniência a cada período, com foco na unidade e não nos indivíduos, o que pode levar a uma subestimação da variância real. Além disso, esse foi um estudo monocentrico, realizado em uma única unidade de terapia intensiva, e considerou apenas profissionais de enfermagem. Outra limitação foram dois momentos de interrupção intermitente no fornecimento dos lenços QAB – um no quarto mês de estudo devido a preocupação da direção hospitalar com o potencial dano que poderia ser causado pelo uso desses lenços nos aparelhos, e o outro no sétimo mês de estudo (durando de março a maio de 2020) devido a realocação desse material para as unidades diretamente envolvidas no manejo de infecções por COVID-19. Por fim, esse estudo visou apenas quantificar a carga biológica sendo que os constituintes dessa carga não foram identificados.
Fonte: Kopp J, Cawcutt KA, Musil L, Huang X, Minard CG, Hetland B. Efficacy of a bioburden reduction intervention on mobile phones of critical care nurses. Am J Infect Control. 2023 Jan;51(1):35-40 https://doi.org/10.1016/j.ajic.2022.04.013
Link: https://www.ajicjournal.org/article/S0196-6553(22)00407-2/fulltext
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Sinopse por: Maria Julia Ricci
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