Em março de 2020 a OMS declarou a pandemia de COVID-19 e enfatizou a necessidade de compromisso governamental a nível global para controlar a situação. Intervenções não-farmacêuticas (nonpharmaceutical interventions – NPIs) mostraram-se fundamentais medidas para mitigar o risco comunitário e reduzir a carga sobre os sistemas de saúde. O objetivo do estudo foi estudar a percepção publica do distanciamento social a partir de discussões orgânicas em grande escala no Twitter.
Qual a justificativa do estudo?
Em março de 2020 a OMS declarou a pandemia de COVID-19 e enfatizou a necessidade de compromisso governamental a nível global para controlar a situação. Intervenções não-farmacêuticas (nonpharmaceutical interventions – NPIs) mostraram-se fundamentais medidas para mitigar o risco comunitário e reduzir a carga sobre os sistemas de saúde. A eficácia de NPIs depende fortemente do entendimento publico e da adesão coletiva as intervenções propostas. Para conseguir intervir na opinião publica é fundamental primeiro compreendê-la e, para tal fim, as mídias sociais – como a plataforma de microblogging Twitter – podem ser um meio ideal.
Qual o objetivo do estudo?
O objetivo do estudo foi estudar a percepção publica do distanciamento social a partir de discussões orgânicas em grande escala no Twitter. Os pesquisadores partiram da hipótese que a realização de analise de sentimento, emoção e conteúdo dos tweets relacionados ao distanciamento social durante a pandemia de COVID-19 poderiam providenciar insights valiosos sobre opinião publica sobre tal política; além siso, que o conhecimento obtido de tais analises poderia ser valioso para disseminar e refinar as estratégias comunicativas da saúde pública.
Qual metodologia foi empregada?
Foi realizado um estudo transversal retrospectivo.
A coleta de dados foi realizada entre 27 de março de 2020 e 10 de abril de 2020, foram extraídos tweets – somente em inglês – correspondentes as duas principais hashtags em alta (#socialdistancing e #stayathome).
Os dados coletados por meio de uma API (application programming interface) foram processados e realizou-se seleção e limpeza de dados. A análise de sentimentos foi realizada por meio de processamento da linguagem natural e análise textual para identificar e classificar emoções e tópicos; a biblioteca utilizada aplicou o léxico sentimental AFINN em uma escala de polaridade variando de -1 (mais negativo) a 1 (mais positivo. A análise de subjetividade foi realizada e etiquetou cada tweet com um valor de 0 (objetivo) a 1 (subjetivo). Para compreender os principais tópicos discutido foi aplicado um algoritmo não supervisionado de machine-learning de forma a identificar os 10 tópicos mais abordados.
Quais os principais resultados?
Foram analisados 574.903 tweets – 264.254 incluindo #socialdistamcing, 332.075 incluindo #stayathome e 21.453 incluindo ambas.
A polaridade para ambas hashtags foi majoritariamente positiva; apenas 15% dos tweets obtiveram polaridade negativa. A tendência foi a de tweets objetivos, com cerca de 30% sendo classificados como completamente objetivos. A análise de emoções identificou 50.4% dos tweets como expressão de alegria – cuja análise de tópicos relacionou a termos como lazer e apoio da comunidade – e apenas 1/5 expressando medo e surpresa – relacionados a segurança alimentar e efeitos da quarentena, e imprevisibilidade da doença e suas implicações. As emoções menos comuns foram tristeza, desgosto e raiva.
Quais as conclusões e recomendações finais?
A realização de análise de sentimento, emoção e de conteúdo dos tweets gerou insights valiosos sobre as crenças do público e opiniões sobre o distanciamento social. Considerando o sentimento predominantemente positivo, a preponderância de tweets objetivos e a presença de tópicos que apoiam os mecanismos de enfrentamento, os autores concluíram que durante o período de estudo os usuários do Twitter apoiavam o distanciamento social.
Os autores fazem uma sugestão de estudo e futura implementação de análise em tempo-real por meio do uso da API Twitter Streaming, de modo a aumentar a possibilidade de direcionar mensagens com base nos interesses e emoções dos usuários.
Quais as limitações do estudo?
Os autores ressaltaram limitações inerentes ao design do estudo, entre as quais: utilização de amostragem não-probabilística; análise de uma janela temporal especifica e, portanto, não representando uma evolução completa da percepção pública; possível viés de seleção devido a utilização de apenas um subset entre todos os tweets do período; e, possibilidade de contas serem bots e não pessoas reais.
Que críticas e observações finais?
O artigo é um exemplo que deixa muito clara a necessidade, cada dia maior, que profissionais da saúde estejam familiarizados com os algoritmos e processos realizados pelas máquinas que nos circundam de forma a poder explorar suas capacidades da melhor forma possível. A compreensão, mesmo que básica, do funcionamento de métodos de extração e análise de dados permite a elaboração de estudos como este e que podem ser muito informativos para a compreensão do comportamento humano – inclusive, mas não apenas – relacionado a saúde.
O estudo foi aceito em 1º de agosto de 2020, desde então o mundo pode ver e vivenciar a influência de redes sociais como o twitter na realidade cotidiana, tanto de forma negativa quanto positiva. Há um grande debate político e social sobre qual o papel destas plataformas em regular o tipo de informação ali veiculadas tendo em vista os direitos a liberdade de expressão. Durante a pandemia de COVID-19, muitas das redes atualizaram seus termos de uso de forma a prevenir a disseminação de fake news relacionadas a COVID-19 e tem sido aliada das agências de saúde pública. Deixo, portanto, uma reflexão sobre como tal postura poderia também ser muito benéfica em outros temas de saúde – como, por exemplo, em temas relacionados a distúrbios alimentares e mentais – e sobre a importância da advocacia em prol dos pacientes que pode e deve ser realizada pelos profissionais em diversas esferas.
Por outro lado, seria interessante fazer pesquisa semelhante em português, mas não deixa de ser inquietante a existência de ferramentas digitais que podem monitorar e até direcionar o comportamento das pessoas.
Fonte: Saleh SN, Lehmann CU, McDonald AS, Basit MA, Medford RJ. Understanding public perception of coronavirus disease 2019 (COVID-19) social distancing on Twitter. Infect Control Hosp Epidemiol. 2021 Feb; 42(2): 131-138.
Sinopse por: Maria Julia Ricci
Contato: [email protected]