Hoje celebramos o Dia Mundial da Sepse, data proposta pela Aliança Global para Sepse (do inglês, Global Sepsis Alliance) em 2013. Anualmente, aproximadamente 50 milhões de pessoas são afetadas pelas sepse em todo o mundo, resultando em pelo menos 11 milhões de óbitos. Estima-se que 20% de todas as mortes globais estejam associadas à sepse, muitas das quais poderiam ser evitadas. No Brasil, a taxa de letalidade por sepse é uma das mais elevadas do mundo, atingindo 55,7%, conforme o estudo SPREAD, realizado em 2014. Já no Relatório Nacional do ILAS 2023, a letalidade em pacientes com sepse foi 21,2%, enquanto em casos de choque séptico chegou a 53,5%. As principais dificuldades enfrentadas estão relacionadas ao reconhecimento tardio da condição e ao tratamento inadequado.
A sepse e o choque séptico representam uma carga global crescente e um grande desafio para os profissionais de saúde, devido ao aumento de sua incidência e à complexidade patofisiológica, molecular, genética e clínica que envolvem essas condições. A Organização Mundial de Saúde (OMS) já reconhece a sepse como uma prioridade global em saúde. Entre os fatores que podem contribuir para esse aumento estão:
(i) a idade média avançada entre os pacientes, especialmente em países ocidentais;
(ii) o aumento do número de procedimentos invasivos;
(iii) o uso amplo de drogas imunossupressoras e quimioterapia;
(iv) resistência a antibióticos.
Definições de Sepse:
A sepse é definida como uma disfunção orgânica com risco de vida causada por uma resposta desregulada do hospedeiro a uma infecção. A disfunção orgânica pode ser definida como uma alteração aguda no escore SOFA ≥ 2 pontos consequente à infecção (basal é considerado 0). No escore SOFA, são avaliados os seguintes sistemas: respiratório (PaO2/FiO2 – mmHg), coagulação (plaquetas x 103 µL), hepático (bilirrubinas mg/dL), cardiovascular (PAM – Pressão Arterial Média), neurológico (Escala de Glasgow), renal (creatinina mg/dL, débito urinário).
O choque séptico é considerado um subtipo de sepse em que anomalias circulatórias, celulares e metabólicas subjacentes contribuem para um risco maior de mortalidade do que a sepse isoladamente. Pacientes com choque séptico podem ser clinicamente identificados pela necessidade de drogas vasopressoras para manutenção da PAM ≥ 65 mmHg e lactato sérico ≥ 2,0 mmol/L (> 18 mg/dL), na ausência de hipovolemia.
Recomendações do Surviving Sepsis Campaign – SSC:
A Campanha Internacional Sobrevivendo à Sepse (Surviving Sepsis Campaign – SSC) é uma iniciativa conjunta da Society of Critical Care Medicine (SCCM) e da European Society of Intensive Care Medicine (ESICM), lançada em 2002, com o compromisso de reduzir a mortalidade e morbidade associadas à sepse e ao choque séptico em nível global. As Diretrizes Internacionais para o Manejo da Sepse e Choque Séptico da SSC, atualizadas em 2021, incluem as melhores práticas para o manejo de paciente com sepse. Segue abaixo uma síntese das recomendações fortes e com declaração de melhores práticas:
Triagem e Tratamento Precoce
1) Para hospitais e sistemas de saúde, recomenda-se o uso de um programa de melhoria de desempenho para sepse, incluindo rastreamento de sepse para pacientes de alto risco com doenças agudas, e procedimentos operacionais padrão para tratamento.
Recomendação forte, qualidade de evidência moderada para triagem.
Recomendação forte, qualidade de evidência muito baixa para procedimentos operacionais padrão.
2) Recomendamos contra o uso de qSOFA em comparação com SIRS, NEWS ou MEWS como uma única ferramenta de triagem para sepse ou choque séptico.
Recomendação forte, qualidade de evidência moderada
Ressucitação inicial
1) Sepse e choque séptico são emergências médicas, e recomenda-se que o tratamento e a reanimação comecem imediatamente.
Declaração de melhores práticas
Pressão arterial média
1) Para adultos com choque séptico com vasopressores, recomendamos uma meta inicial de pressão arterial média (PAM) de 65 mmHg ao invés de metas de PAM mais altas.
Recomendação forte, qualidade de evidência moderada.
Infecção
1) Para adultos com suspeita de sepse ou choque séptico, mas infecção não confirmada, recomendamos reavaliar continuamente e procurar diagnósticos alternativos e interromper os antimicrobianos empíricos se uma causa alternativa da doença for demonstrada ou fortemente suspeita.
Declaração de Melhores Práticas
2) Para adultos com possível choque séptico ou alta probabilidade de sepse, recomendamos a administração de antimicrobianos imediatamente, de preferência dentro de uma hora após o reconhecimento.
Forte, qualidade de evidência baixa (Choque séptico)
Forte, qualidade de evidência muito baixa (Sepse sem choque)
3) Para adultos com possível sepse sem choque, recomendamos uma avaliação rápida da probabilidade de causas infecciosas versus não infecciosas de doença aguda.
Declaração de Melhores Práticas
4) Para adultos com sepse ou choque séptico com alto risco de MRSA, recomendamos o uso de antimicrobianos empíricos com cobertura para MRSA ao invés de antimicrobianos sem cobertura para MRSA.
Declaração de Melhores Práticas
5) Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos otimizar as estratégias de dosagem de antimicrobianos com base nos princípios farmacocinéticos/farmacodinâmicos (Pk/Pd) aceitos e nas propriedades específicas dos medicamentos
Declaração de Melhores Práticas
6) Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos identificar ou excluir rapidamente um diagnóstico anatômico específico de infecção que exija controle de emergência do foco e programar qualquer intervenção de controle de foco necessária
assim que possível do ponto de vista médico e logístico.
Declaração de Melhores Práticas
7) Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos a remoção imediata de dispositivos de acesso intravascular que sejam um possível foco de sepse ou choque séptico após o estabelecimento de outro acesso vascular.
Declaração de Melhores Práticas
Manejo hemodinâmico
1) Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos o uso de cristaloides como fluido de primeira linha para ressuscitação.
Forte, qualidade de evidência moderada
2) Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos contra o uso de amidos para ressuscitação.
Forte, qualidade de evidência alta
3) Para adultos com choque séptico, recomendamos o uso de norepinefrina como agente de primeira linha ao invés de outros vasopressores.
Forte.
Dopamina. Qualidade de evidência alta.
Vasopressina. Qualidade de evidência moderada.
Epinefrina. Qualidade de evidência baixa
Selepressina. Qualidade de evidência baixa
Angiotensina II. Qualidade de evidência muito baixa
Ventilação
1) Para adultos com SDRA induzida por sepse, recomendamos usar uma estratégia de ventilação com baixo volume corrente (6 mL/kg) ao invés de uso de uma estratégia com alto volume corrente (> 10 mL/kg).
Forte, qualidade de evidência alta
2) Para adultos com SDRA grave induzida por sepse, recomendamos usar uma meta de limite superior de pressão de platô de 30 cmH2O, ao invés de altas pressões de platô.
Forte, qualidade de evidência moderada
3) Ao usar manobras de recrutamento, sugerimos contra o uso de titulação/estratégias de PEEP incremental.
Forte, qualidade de evidência moderada
4) Para adultos com SDRA moderada a grave induzida por sepse, recomendamos ventilação em posição prona por mais de 12 horas ao dia.
Forte, qualidade de evidência moderada
5) Para adultos com SDRA moderada a grave induzida por sepse, sugerimos o uso de bolus intermitentes de BNMs, ao invés de infusão contínua de BNMs
Forte, qualidade de evidência moderada
Terapias adicionais
1) Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos o uso de uma estratégia restritiva (ao invés de liberal) de hemotransfusão
Forte, qualidade de evidência moderada
2) Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos o
uso de profilaxia farmacológica para tromboembolismo venoso
(TEV) a menos que exista uma contraindicação para tal terapia
Forte, qualidade de evidência moderada
3) Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos o uso de heparina de baixo peso molecular (HBPM) ao invés de heparina não fracionada (HNF) para profilaxia de TEV
Forte, qualidade de evidência moderada
4) Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos
iniciar insulinoterapia com níveis de glicose > 180 mg/dL (10mmol/L)
Forte, qualidade de evidência moderada
Resultados em longo prazo e metas do cuidado
1) Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos discutir as metas do cuidado e prognóstico com pacientes e familiares, ao invés de não ter essa discussão.
Declaração de Melhores Práticas
2) Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos integrar princípios do cuidado paliativo (que podem incluir a consulta a especialistas em cuidados paliativos de acordo com o julgamento clínico) no plano de tratamento, quando apropriado, para abordar os sintomas e o sofrimento do paciente e da família.)
Declaração de Melhores Práticas
3) Para adultos com sepse ou choque séptico e suas famílias, recomendamos a triagem para apoio econômico e social (incluindo apoio habitacional, nutricional, financeiro e espiritual) e que se façam encaminhamentos, quando disponíveis, para atender a essas necessidades.
Declaração de Melhores Práticas
4) Para adultos com sepse ou choque séptico e suas famílias, recomendamos que a equipe clínica forneça a oportunidade de
participar da tomada de decisão compartilhada do planejamento
do pós-UTI e da alta hospitalar para garantir que os planos de
alta sejam aceitáveis e viáveis.
Declaração de Melhores Práticas
5) Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos
reconciliar os medicamentos tanto na alta da UTI quanto na alta
hospitalar
Declaração de Melhores Práticas
6) Para adultos sobreviventes de sepse ou choque séptico e suas
famílias, recomendamos incluir informações sobre a permanência na UTI, sepse e diagnósticos relacionados, tratamentos e deficiências comuns após a sepse, no resumo escrito e verbal de alta hospitalar.
Declaração de Melhores Práticas
7) Para adultos com sepse ou choque séptico que desenvolvem
novas deficiências, recomendamos que os planos de alta hospitalar incluam acompanhamento com médicos capazes de apoiar e manejar sequelas novas e de longo prazo.
Declaração de Melhores Práticas
8) Para adultos sobreviventes de sepse ou choque séptico,
recomendamos avaliação e acompanhamento para problemas físicos, cognitivos e emocionais após a alta hospitalar.
Declaração de Melhores Práticas
Campanha ILAS 2024
O Instituto Latino Americano de Sepse, ILAS, coordena ações voltadas tanto para profissionais da saúde quanto para o público leigo, levando conhecimento sobre sepse para a população. Em 2024, a Campanha tem como tema “A Trajetória do Paciente com Sepse” e ressalta a importância de que profissionais de todos os níveis de assistência estejam atentos aos pacientes com fatores de risco para desenvolvimento de infecção e sua evolução para sepse. Além disso, a atuação na prevenção de infecções é fundamental, por meio da conscientização da população sobre vacinação, saneamento básico, lavagem das mãos, controle das comorbidades e parto seguro. Reconhecer os sinais de alerta para sepse, como hipertermia, hipotermia, taquicardia, dispneia, oligúria e confusão mental, e garantir acesso rápido ao atendimento de urgência são cruciais para evitar a deterioração clínica, prevenir sequelas e melhorar os desfechos. Veja a seguir os 4 pilares da Sepse:
Em qualquer etapa da trajetória, seja na comunidade, UBS, UPA/PS, UTI ou Unidade de Internação, a falha na prevenção pode contribuir para o desenvolvimento da infecção/sepse e, o atraso no diagnóstico, aumenta a chance de deterioração clínica e agravamento do quadro. Em cada item da trajetória do paciente séptico, medidas importante são essenciais para evitar novas infecções:
Em nosso MBA EQS, oferecemos uma aula dedicada à sepse, com foco na implementação do protocolo gerenciado de sepse e dos bundles, além da apresentação de casos clínicos e orientações para a escolha dos antimicrobianos, visando aprimorar o manejo e a resposta à sepse nas organizações de saúde.
https://www.ccih.med.br/cursos-mba/mba-eqs-epidemiologia-hospitalar-qualidade-e-seguranca-do-paciente/ Assista também à live realizada na última terça-feira, 10/09/2024, sobre o Manejo da Sepse e Diagnóstico Molecular, com o Professor e Infectologista Felipe Tuon.
https://www.youtube.com/watch?v=uwi8HFR9cQI&t=4903s
Fontes:
https://ilas.org.br/relatorio-nacional-2023/
https://ilas.org.br/material-dms/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10179263/
Sintetizado por: Beatriz Grion