O documento apresenta atualização das estratégias de prevenção de complicações relacionadas a assistência a saúde por meio da higiene das mãos, além das recomendações principais já aboradas no artigo anterior, traz uma breve análise do panorama atual e dos principais fatores relevantes ao monitoramento e implementação da aderência dos profissionais as tecnicas adequadas
Seção 1: Justificativa e panorama atual
O papel da higiene das mãos na fase aguda do cuidado
A higiene das mãos é um componente fundamental da prevenção de infecções em qualquer ambiente de saúde; contudo, a adesão a higiene adequada das mãos pelos profissionais da saúde continua a ser um desafio. Esse documento fornece orientações práticas, com base nas evidências mais atuais, para auxiliar na tomada de decisões na implementação de programas de melhoria da higiene das mãos em ambientes de saúde.
A situação atual da higiene das mãos nos cuidados agudo
A pandemia de COVID-19 foi um momento complexo para os programas de controle e prevenção de infecções e uma das facetas preocupantes foi a escassez generalizada de suprimentos básicos, incluindo ABHS (solução alcóolica para higiene das mãos). Conforme a pandemia avançou, os programas de higiene das mãos sofreram ainda mais pois seu sucesso depende amplamente da participação e engajamento dos profissionais de saúde que conforme a pandemia se arrastou ficaram sobrecarregados e estressados.
Para além do contexto pandêmico, mensurar a higiene das mãos não é uma tarefa simples devido a grande variabilidade de métodos de amostragem e medição. Apesar dessa dificuldade, é claro que há espaço e necessidade de melhoria para atingir a aderencia adequada desse fator tão importante para a prevenção de infecções relacionadas a assistência a saúde.
Seção 2: Monitoramento da aderência à higiene das mãos
Objetivo da medição
O principal objetivo de monitorar a higiene das mãos é obter feedbacks atualizados, úteis e significativos para guiar os programas de prevenção e controle de infecção. A mensuração rotineira é necessária para estabelecer uma linha de base, acompanhar os projetos de melhoria, e identificar as barreiras e facilitadores para adesão.
Oportunidades para a higiene das mãos
Nos últimos anos, há cada vez mais consenso sobre as indicações para higienização e lavagem das mãos. As indicações atuais da OMS e do CDC estabelecem a higiene das mãos:
– Imediatamente antes do contato com o paciente
– Antes da realização de procedimentos assépticos (como o manuseio e ou inserção de dispositivos médicos invasivos)
– Após contato com sangue, fluidos corporais ou superfícies contaminadas
– Após contato com o paciente
– Após contato com os arredores do paciente
– Após contato com uma parte do corpo do paciente visivelmente contaminada e antes de tocar outras partes desse paciente
– Imediatamente após a remoção das luvas
Atualmente recomenda-se a higiene das mãos com solução alcoólica quando não visivelmente sujas, exceto quando a lavagem for especificamente indicada ou durante surtos de C. difficile ou norovírus. Além disso recomenda-se a lavagem das mãos quando visivelmente sujas, antes de comer, e após o uso do banheiro.
Métodos para medir a aderência
Hoje existem diversas alternativas para a coleta de dados para medir a aderencia a higiene das mãos. É fundamental que o método de escolha seja realizado de modo a favorecer a cultura de segurança, resultando em dados criveis e que possam embasar ações. É importante também reconhecer os profissionais que realizam esse monitoramento como membros importantes da equipe e que advogadores da segurança do paciente.
Os principais métodos de observação e suas características chave são:
– Observação direta aberta:
Uso: Padrão ouro para avaliação da técnica; Monitoração da condição prevalente das mãos e aderência as políticas institucionais de higiene; Inclusão na checklist de bundles de prevenção pode garantir a higiene apropriada das mãos antes de procedimentos de alto risco (como inserção de cateter central).
Vantagens: Feedback imediato com correção de lapsos; os profissionais que completam as checklists dos bundles de prevenção são empoderados para ter voz ativa sobre a segurança do paciente; podem ser utilizados como uma forma de engajamento entre colegas.
Desvantagens: Alto risco de viés devido ao efeito Hawthorne (i.e., mudar o comportamento devido a consciência de estar sendo observado), inapropriado para determinar as taxas de aderencia a higiene das mãos nos cuidados de rotina.
Considerações: Como parte do treinamento de competências profissionais, pode ser utilizado como uma abordagem sistemática para avaliação contínua e regular dos conhecimentos e habilidades adquiridas.
Observação direta encoberta:
Uso: Estabelecimento do comportamento de base; medidor do progresso; avaliação da técnica.
Vantagens: Barreiras e facilitadores para a higiene das mãos podem ser identificados.
Fraquezas: Alto risco de viés do observador; potencial obstrução do campo de visão do observador devido a barreiras físicas; empenha tempo e trabalho intensivo; as pessoas observadas podem desconfiar dos dados; o feedback pode demorar e não ser eficaz para os observados; potencial risco ao paciente devido a correção não imediata de lapsos.
Considerações: As instituições devem investir em estratégias de redução de viés; os observadores devem ser claramente direcionados sobre como lidar com lapsos.
– Sistemas automatizados de monitoramento (AHHMS):
Uso: Complementa a observação direta; estabelecimento do comportamento de base; medidor do progresso; fornece informações sobre as tendencias de comportamento de higiene das mãos.
Vantagens: Dados sobre conformidade mais completos devido a possibilidade de monitorar todos os turnos; alguns sistemas podem coletar dados específicos de cada profissional; alguns sistemas compreendem lembretes em tempo real para garantir a aderencia.
Desvantagens: Impossibilidade de avaliar a técnica; dispositivos vestíveis (como braceletes) podem atrapalhar a aceitação ou a acurácia da coleta de dados por uso incorreto; erros e variabilidade dos registros podem levar os profissionais a desconfiar dos dados; o investimento financeiro pode ser alto e tipicamente depende de um sistema de assinatura anual.
Considerações: Avaliações rigorosas são necessárias para validar os dados; empoderamento e colaboração com os profissionais podem melhorar a aceitação; não elimina a necessidade de observação ou melhoria das campanhas, mas pode auxiliar a mirar as intervenções.
– Observação remota por vídeo:
Uso: Estabelecimento do comportamento de base; medidor do progresso; ferramenta de validação de oportunidades de higiene das mãos registradas por sistemas automatizados; permite a revisão de circunstâncias particulares e validação de outros sistemas de monitoramento.
Vantagens: A ausência de um observador humano pode mitigar o efeito Hawthorne; potencial para prover feedback imediato e de troca de final de turno.
Desvantagens: Acesso restrito aos dados.
Considerações: O custo inicial pode ser um empecilho; Legislações e sindicados podem impedir a implementação; políticas devem ser desenvolvidas para esclarecer as questões relacionadas a privacidade do paciente antes da implementação.
– Paciente como observador:
Uso: Pode ser apropriado para contextos com recursos limitados para observação, como ambientes ambulatoriais e departamentos de emergência.
Vantagens: Engaja e empodera os pacientes incentivando que prestem atenção e fazendo comentários sobre os profissionais; pode aumentar a satisfação dos pacientes; custo-efetivo.
Desvantagens: As informações são limitadas aos momentos de contato com o paciente.
Considerações: Útil para estimular a melhoria contínua de qualidade por meio do compartilhamento dos feedbacks dos pacientes com os profissionais.
– Medidas indiretas:
Uso: Contagem de eventos; uso de produtos.
Vantagens: permite avaliar o uso dos dispensadores instalados; o volume de produtos utilizado pode informar sobre tendencias.
Desvantagens: Pode não se relacionar com outros métodos de medida; não diferencia entre o uso por profissionais e o uso por visitantes.
Considerações: Não deve ser utilizado isoladamente como medida de adesão a higiene das mãos.
– Auditorias de acessibilidade e funcionalidade de suprimentos:
Uso: Garantir a infraestrutura de apoio a aderencia
Vantagens: Garante a disponibilidade e funcionalidade dos suprimentos para higiene das mãos.
Desvantagens: A infraestrutura pode não ser passível de mudança devido a restrições administrativas.
Considerações: Avaliações regulares podem ser realizadas durante as atividades cotidianas.
Seção 3: Higiene das mãos como estratégia de prevenção de IRAS
Resumo das orientações e recomendações
Atualmente existem diretrizes sobre a higiene das mãos publicadas por diversas organizações, o documento ressalta as seguintes:
– Center for Disease Control and Prevention (CDC): https://www.cdc.gov/mmwr/pdf/rr/rr5116.pdf
– World Health Organization (WHO): https://www.who.int/publications/i/item/9789241597906
– Association for Perioperative Registered Nurses (AORN): https://www.aorn.org/guidelines/aboutaornguidelines?utm_source=google&utm_medium=cpc&utm_campaign=guidelines_2022
– Society of Healthcare Epidemiology of America (SHEA): https://www.cambridge.org/core/journals/infection-control-and-hospital-epidemiology/article/infection-prevention-in-the-operating-room-anesthesia-work-area/66EB7214F4F80E461C6A9AC00922EFC9
Requerimentos de infraestrutura
Os programas de higiene das mãos devem ter os seguintes elementos funcionantes:
- Suprimentos funcionais e acessíveis para higiene das mãos, incluindo dispensadores de higienizante com suprimento adequado de ABHS, pias para lavagem das mãos, solução para limpeza das mãos simples ou antisséptica, toalhas descartáveis ou de uso único, e hidratante para as mãos compatível com outros produtos e luvas.
- Líderes de referência responsáveis por garantir o engajamento e aderencia dos profissionais de linha de frente.
- Controladores de infecção com treinamento e recursos para dirigir programas de melhoria da higiene das mãos.
- Os profissionais da saúde devem receber treinamento sobre a higiene das mãos nos diferentes contextos de cuidado.
- Observadores treinados para coletar informações adequadas para avaliar a técnica e monitorar a performance (no caso de uso de sistemas automatizados, os responsáveis devem ser capacitados para validar os dados recebidos do sistema).
- Suporte para análise de dados e comunicação efetiva dos resultados do monitoramento independentemente dos métodos escolhidos pela instituição.
Revisão de literatura
Para a elaboração desse documento os autores realizaram uma extensa revisão de literatura seguindo uma metodologia clara e bem elaborada. Os principais achados e atualizações foram sobre: Saúde da pele e das unhas; Eficácia e segurança dos produtos para higiene das mãos; Eficácia de ABHS.
Seção 4: Estratégias recomendadas para melhoria da higiene das mãos
Os autores atualizam, com base nas melhores e mais recentes evidências, as recomendações da última versão do documento que foi publicada em 2014. Essas recomendações são parte fundamental do documento e estão disponíveis em um artigo dedicado da Revista CCIH MBA.
Seção 5: Medidas de performance institucional de higiene das mãos (indicadores)
Avaliações internas:
A avaliação interna das performances institucionais de higiene das mãos tem como objetivo apoiar as iniciativas de melhoria de qualidade por meio do monitoramento, feedback e análise longitudinal das intervenções nas instituições. As principais medidas de performance são:
– para observação direta encoberta: (nº de oportunidades de higiene das mãos realizadas)/(nº total de oportunidades) x 100
– para sistemas automatizados: (nº de ações de higiene das mãos detectadas pelos sensores)/(nº aproximados de oportunidades de higiene das mãos detectadas pelos sensores) x 100
– para pacientes como observadores: (nº de pacientes relatando aderência)/(nº total de observações recebidas) x 100
– para volume de produto: volume de produtos para higiene das mãos utilizados (em ml) por 1000 pacientes-dia durante um período especifico em um local especifico
– para auditorias de suprimentos para higiene das mãos: (nº de estações para higiene das mãos com problemas)/(nº total de estações para higiene das mãos avaliadas)
Seção 6: Implementação das estratégias
A última seção do documento ressalta a importância das figuras de liderança, em todos os níveis, para a melhoria da higiene das mãos e ressalta que bons lideres, formalmente apontados ou não, são associados a melhores resultados.
As principais características para a implementação efetiva das estratégias abordadas no documento envolvem: engajamento, educação, execução e avaliação.
Engajamento
- Desenvolver um time multidisciplinar que inclua líderes administrativos, gestores e pessoas relevantes das unidades e departamentos.
- Utilizar elementos de ligação para encorajar a persistência da melhoria da higiene das mãos.
- Identificar barreiras e facilitadores da aderencia específicos para o contexto; essas informações podem ser usadas para criar intervenções especificas
- Potencialmente envolver os pacientes, de forma entusiástica, a exercer um papel ativo em lembrar os profissionais de saúde a realizar a higiene das mãos.
Educação
- Educar os profissionais de saúde e certificar o conhecimento e capacidade em aspectos relacionados as estratégias e a importância da higiene das mãos na prevenção de IRAS.
- Usar métodos interativos para educar os profissionais sobre técnicas de higienização, lavagem das mãos, e remoção de luvas.
- Realizar seções educativas curtas e frequentes para continuamente construir uma base solida de conhecimentos e práticas.
- Usar princípios de educação de adultos (andragogia) para encorajar a participação e aprendizado contínuo.
Executar
- Garantir acesso a ABHS no fluxo de trabalho dos profissionais de saúde
- Implementar programas de prevenção com estratégias multimodais de melhoria da higiene das mãos.
- Focar em mudanças de comportamento-chave.
Avaliar
- Monitorar a aderencia a higiene das mãos.
- Caso necessário, ajustar as medidas de acordo com as necessidades especificas na instituição.
- Fornecer feedback significativo sobre a performance da higiene das mãos com alvos claros e planos de ação para melhorar a aderencia.
Fonte: Glowicz JB, et al. (2023). SHEA/IDSA/APIC Practice Recommendation: Strategies to prevent healthcare-associated infections through hand hygiene: 2022 Update. Infection Control & Hospital Epidemiology, 44: 355–376
Link: https://doi.org/10.1017/ice.2022.304
Parte 1 deste artigo: https://www.ccih.med.br/higiene-das-maos-conheca-a-revisao-de-estrategias-da-shea-idsa-apic/
Sinopse por: Maria Julia Ricci
E-mail: [email protected]
Instagram: https://www.instagram.com/sonojuju/
Artigos relacionados:
Adesão à higiene de mãos pelos profissionais de saúde antes e depois da pandemia pelo Covid-19 –
Implantação da estratégia multimodal e o impacto na adesão a higienização das mãos pelos profissionais de uma instituição hospitalar privada –
Higiene de Mãos – estratégias e adorno zero –
https://www.ccih.med.br/higiene-de-maos-estrategias-e-adorno-zero/
Papel de lideranças durante a pandemia –
https://www.ccih.med.br/papel-de-liderancas-durante-a-pandemia/
TAGs/palavras-chave: IRAS, atualização, SHEA, lavagem das mãos, prevenção