Este estudo observou que estratégias preventivas, como a retirada precoce de cateteres vasculares e profilaxia com fluconazol, devem ser consideradas para prevenir sepse bacteriana e fúngica em lactentes submetidos à cirurgia abdominal, e principalmente naqueles com colonização fúngica.
Sepse é frequente em recém-nascidos?
A sepse frequentemente complica a hospitalização de neonatos e lactentes gravemente enfermos, aumentando o tempo de internação e o risco de morte. As infecções são a segunda principal causa de morte em neonatos e lactentes em unidades de terapia intensiva neonatal (UTINs).
Cirurgias podem aumentar o risco de sepse em recém-nascidos?
Em grupos como de lactentes submetidos a cirurgia abdominal, a sepse pode ser particularmente mais frequente, pela contaminação no local da cirurgia e uso generalizado de antibióticos.
Uma revisão sistemática recente, incluindo 19 estudos selecionados nos anos 2000 até 2020, com o objetivo de revisar as infecções fúngicas em crianças submetidas a cirurgias de grande porte, mostrou que 33,6% de 1.637 crianças desenvolveram a infecção após a cirurgia. Entre os fatores de risco reconhecidos, a cirurgia nos 90 dias anteriores à infecção foi um dos maiores fatores de risco (38% dos casos) e o abdome foi o local mais frequente de cirurgia. Outros fatores foram crianças com colonização fúngica prévia, presença de cateter intravascular, bem como internação prolongada devido à infecção e a mortalidade devido à infecção, que chegou a acontecer em 39,5% dos casos.
Como podemos avaliar o risco de sepse pós cirurgia de grande porte em recém-nascidos e lactentes?
O objetivo do presente estudo foi avaliar a incidência de sepse bacteriana e infecção fúngica invasiva (IFI), colonização fúngica, fatores de risco para sepse e mortalidade em neonatos e lactentes menores que 3 meses submetidos a cirurgia de grande porte.
O estudo foi conduzido em 13 UTINs italianas, a partir de um desenho clínico epidemiológico prospectivo, durante o período de 1º de outubro de 2018 a 7 de maio de 2021.
Foram incluídos recém-nascidos e bebês nascidos em qualquer idade gestacional internados na UTIN e que necessitavam de cirurgia de grande porte.
O principal desfecho do estudo foi a taxa de incidência de sepse bacteriana e infecção fúngica invasiva em neonatos e lactentes que necessitavam de cirurgia de grande porte durante a internação.
Os desfechos secundários foram a taxa de incidência e o tempo de início da colonização fúngica, mortalidade e identificação dos fatores de risco para infecções bacterianas ou fúngicas.
Todos os pacientes foram observados desde a admissão até a alta ou óbito.
Que características tinham os recém-nascidos submetidos a cirurgias de grande porte?
No total, foram incluídos 541 neonatos e lactentes, com mediana de idade gestacional (IG) de 37 semanas e mediana de peso ao nascer de 2665 g.
Características clínicas da população estudada:
- 251 (46,4%) neonatos nasceram prematuros;
- o número acumulado de dias passados nas UTINs foi de 31.440, registrados no momento da alta da UTIN ou óbito ou transferência para outras enfermarias/hospitais;
- o tempo médio de permanência hospitalar foi de 41 dias;
- 928 cateteres venosos centrais foram instalados, com duração mediana de uso de 15 dias;
- 16 crianças de 541 (2,9%) morreram;
- os pacientes foram submetidos a procedimento cirúrgico em uma média de idade de 8 dias;
- entre 45 recém-nascidos de extremo baixo peso (EBP), até 28,9% daqueles que deveriam ter recebido profilaxia antifúngica não a receberam.
Como foram as sepses fúngicas e bacterianas dos recém-nascidos submetidos á cirurgia de grande porte?
O número cumulativo de dias de antibioticoterapia em 541 pacientes participantes do estudo foi de 4368, enquanto o número de dias de terapia antifúngica foi de 379.
Entre os pacientes incluídos, 228 pacientes (42,1%) desenvolveram, pelo menos, um episódio de sepse bacteriana, 20 (3,7%) tiveram uma infecção bacteriana mais uma infecção fúngica invasiva e 3 (0,6%) tiveram apenas uma infecção fúngica invasiva. Ao todo, 248 (45,8%) pacientes tiveram infecção bacteriana e 23 (4,3%) tiveram infecção fúngica.
No total, foram registrados 400 episódios infecciosos, resultando em uma taxa de incidência de 14,9 episódios infecciosos por 1000 dias sob o risco. Dentre os episódios infecciosos, 94,3% foram bacterianos e 5,7% infecção fúngica invasiva, 228 (42,1%) tiveram, pelo menos, um episódio de infecção bacteriana, e no total foram 377 casos de infecção bacteriana (302 confirmados e 75 suspeitos de sepse), resultando em uma taxa de incidência de 13,9 episódios de infecção bacteriana por 1.000 pacientes-dia, e 23 (4,3%) pacientes tiveram uma infecção fúngica invasiva, com uma taxa de incidência de 0,74 por 1000 pacientes-dia. 20 dos 23 pacientes com episódios fúngicos (87,0%) apresentavam infecção bacteriana prévia da corrente sanguínea.
Prematuros com 28 semanas de idade gestacional (IG) apresentaram maior taxa de incidência (18,1 por 1.000 pacientes-dia) de infecções bacterianas quando comparados a lactentes nascidos após 29 semanas de IG (15,7 por 1.000 pacientes-dia).
Com relação ao infecção fúngica invasiva, a taxa de incidência foi semelhante nos dois grupos (1,1 por 1.000 pacientes-dia para lactentes de 28 semanas versus 1,3 por 1.000 pacientes-dia para lactentes com 29 semanas).
A mortalidade intra-hospitalar geral foi de 15 em 541 (2,77%) pacientes.
A taxa de mortalidade entre pacientes infectados foi significativamente maior do que entre pacientes não infectados (4,44% versus 1,37%), e não houve diferença estatisticamente significativa na mortalidade entre pacientes infectados com infecção fúngica ou bacteriana (4,3% versus 4,0 %).
Quais foram os principais fatores de risco para sepse bacteriana nesses recém-nascido submetidos à cirurgia de grande porte?
O primeiro episódio bacteriano ocorreu em média 15 dias após a internação na UTIN e os isolados bacterianos foram estafilococos coagulase-negativos (30% do total dos episódios), seguidos por Klebsiella spp. (21% dos episódios bacterianos), Enterococcus spp. (12% do total de episódios), Staphylococcus aureus (11% do total de episódios).
Quais foram os principais fatores de risco para colonização e infecção fúngica nesses recém-nascidos?
Ao todo, 7.773 amostras foram coletadas durante 2.195 visitas consecutivas e 195 (2,50%) delas testaram positivo: 50 (25,6%) eram urina, 43 (22,0%) secreções das vias aéreas superiores, três (1,5%) secreções das vias aéreas inferiores, 18 (9,2%) na pele e 81 (41,5%) em amostras fecais.
No total, 84 de 541 (15,5%) lactentes foram colonizados por fungos e em 65% destes a colonização ocorreu após cirurgia. Não foram identificadas cepas múltiplas. Os pacientes que adquiriram colonização fúngica após a admissão na UTIN tornaram-se positivos após uma mediana de 14 dias e após uma mediana de 23 dias desde o nascimento. A probabilidade de desenvolver infecção fúngica invasiva foi significativamente maior em pacientes colonizados em mais de um local do que em outros.
Infecções fúngicas e fatores de risco relacionados
O primeiro episódio de infecção fúngica invasiva ocorreu na mediana de 60 dias de internação na UTIN. 23 lactentes (4,3%) desenvolveram infecção de cateter durante a internação, sendo 17 (73,9%) com hemocultura positiva e 5 (21,7%) urinocultura positiva. Nos pacientes com enterocolite necrotizante (4,4%), a colonização fúngica intestinal foi frequente (encontrada em 28,6%). 3 dos 23 recém-nascidos com infecção fúngica invasiva tiveram apenas um episódio de sepse fúngica, enquanto 20 desenvolveram infecções bacterianas e fúngicas.
No momento do diagnóstico de infecção fúngica invasiva, a maioria das crianças infectadas, 22 de 23 (95,7%), tinham cateter venoso central instalado.
Relação entre colonização fúngica e infecções fúngicas
A incidência bruta de colonização fúngica foi maior em pacientes com cirurgia abdominal do que em outros tipos de cirurgia (18,3% versus 12,0%;) e a colonização aumentou o risco de fungemia, com uma incidência bruta de 21,8% em colonizados versus 2,4% em não colonizados. Entre lactentes com infecções fungícas, 14 (61%) não receberam profilaxia com fluconazol anteriormente.
Quais as limitações do estudo?
As limitações incluem a heterogeneidade da prática clínica entre os diferentes centros, pelo desenho do estudo ser de caráter observacional e pelo momento em que o estudo foi realizado, durante o surto de COVID-19, com uma reorganização associada aos fluxos de trabalho em todas as UTIN italianas.
Que medidas podemos adotar para prevenir sepse bacteriana ou fúngica em recém-nascidos e latentes submetidos à cirurgia de grande porte?
Em conclusão, a remoção rápida de todos os cateteres centrais, a implementação de bundles para cuidados com cateteres venosos centrais e o uso criterioso de cefalosporinas são ferramentas cruciais na prevenção de IRAS em recém-nascidos cirúrgicos.
Neste estudo, menos de 10% dos pacientes desenvolveram infecção fúngica invasiva, o que não justifica a introdução de profilaxia fúngica em todos os lactentes cirúrgicos.
Como a colonização fúngica promove acentuadamente infecção fúngica invasiva em crianças com doenças abdominais, estratégias preventivas como a remoção precoce de cateteres vasculares e a profilaxia com fluconazol devem ser consideradas para prevenir sepse bacteriana e fúngica em lactentes submetidos a cirurgia abdominal, e ainda mais naqueles com colonização fúngica.
Fonte: Incidence and risk factors of bacterial sepsis and invasive fungal infection in neonates and infants requiring major surgery: an Italian multicentre prospective study. J Hosp Infect. 2022 Dec;130:122-130. Epub 2022 Oct 4. PMID: 36202186. Doi: 10.1016/j.jhin.2022.09.018
Link: https://www.journalofhospitalinfection.com/article/S0195-6701(22)00313-9/fulltext
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Sinopse por:
Thalita Gomes do Carmo
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